quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A pergunta persiste; O humano ou a arte?



Desenho: Felipe Stefani; Sem Titulo.
Pinturas: Ticiano; Ecco Homo. - John Constable; Boat and Stormy Sky

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Colaborações: O escritor Flávio Viegas Amoreira e um texto sobre Santiago, filme de João Salles.

‘’ SANTIAGO SEGUNDO JOÃO.’’

‘’Santiago’’ ‘sou eu, mas também é muita gente’.
João Salles, cineasta.


‘’ João Salles é nobre gênio da Alma, feito Ozu filmando Bachelard. Câmera, pincel ou pena : o mestre embaralha gêneros e suportes transfigurando a realidade crua naquilo denominamos Grande Arte. ‘’Santiago’’ é um épico da subjetividade: mais importante documentário brasileiro que tenha assistido; não sou hiperbólico: trata-se de um depoimento filmado que extrapola, excede o meramente registrado: a trajetória contada sem aparatos que não somente a memória e imagética duma existência profundamente sentida e pensada. O entusiasmo é reação ao reducionismo: ‘’Santiago’’ é tudo além daquilo que seria mera estória do mordomo de Walter Moreira Salles ou mimetização miniaturizada da relação ‘patrão’ e ‘criado’ : não é ato circense ou alvo pitoresco para sociólogos ou socialites, trata-se de perfeitamente inacabável experimento formal apartir dum personagem de conteúdo inenarrável. João Salles maturou 15 anos entre feitura e exibição da obra-prima: nesse interlúdio dirigiu contundente retrato da violência urbana (‘’Notícias de uma Guerra Particular’’), acompanhou modo revelador o vitorioso candidato Lula em 2002 (‘’Entreatos’ ) e levou às telas um reticente virtuose do piano (‘’Nelson Freire’’ ); sua marca é zona de sombra, os interstícios, as frestas da imagem, ritmo e sensibilidade: capta o que Walter Benjamin dizia ter-se perdido com a modernidade: o senso de ‘aura’. Santiago Badariotti Merlo é um protagonista de conto borgeano, ‘’Funes, o memorioso’’ discorrendo proustianamente sobre a História humana apartir do mundo detalhadamente encantado seja nos salões da Casa da Gávea ou no claustrofóbico cômodo-locação onde se desencadeia esse ‘making-off’ da existência. Sob a mirada instigante de João, Santiago discorre sobre absurdo da fugacidade, intermitências do coração, as epifanias como resistência ao frágil argumento de finalidade diante da perenitude do vazio ou do nada. Só a fenomenologia poética, a emulação sensorial é capaz de reter o saber que salva do esquecimento. Não há um feixo na revivência, no sonho, no enigma. A tela amplifica literariamente ‘’ santiagogramas’’: apontamentos sobre dinastias persas ou tribos dakotas, reflexões acerca de Dante, Lucrécia Borgia, dum cemitério genovês ou a corte dos Visconti; o monge nefelibata recita Lorca, dramatiza uma fala de Bergman, pontuando digressões gostosamente eruditas ao som de Bach e Beethoven que emolduravam sua Alma refletida em poética veemência, ademanes e Cultura como forma de sobrevivência ante crueza da impermanência: cultivo, não adorno. Intertextual e multicultural: passa das monarquias renascentistas às lendas de Hollywood, não dissocia tons ritualísticos: num flash louva madonas de Rafael noutro enternece com Fred Astaire dançando com Cyd Charise. Quando Santiago tenta expor o que seria mais íntimo, João percebe que toda essencialidade teria sido exposta estando sua ‘diferença’ contida na argúcia de sua intuição. Não resenho, transponho a percepção do impacto: a Grande Arte é essa simbiose entre motivo, expressão e participação do espectador num quadro ou espetáculo que se doa sem síntese: ‘’Santiago’’ ‘é’ João Salles, também sou eu e de qualquer atento, agudo interpretante. O comentário sobre um filme não é antecipá-lo : nem ‘só’ vendo ‘’Santiago’’ se estará identificando o plano metafísico em que se instala um homem rememorando, um diretor poetizando e a montagem tentando dar nexo ao que buscamos cotidianamente: resposta precária que seja ao que vivenciamos. Em época de elites em tropa, ‘enochatos’ e glamourização da burrice, ‘’Santiago’’ é um registro eterno da verdadeira aristocracia, a do espírito : que é de João e seus espelhos: o artista dá vida ao que nomeia quanto mais belo é o efeito ambíguo do que produz.’’

[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literário
Já lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]

flavioamoreira@uol.com.br

A espiritualidade e a arte de percorrer as ondas.


Não é difícil ver o Surf como uma atividade espiritualizada, porem, como qualquer outra atividade que possa ser tomada como tal, pode ser entendida e também praticada, apenas na superficialidade.
Vários outros esportes e atividades artísticas, já foram utilizados, em diversas religiões, como um ponto de partida para um caminho de iluminação. O arco e flecha no Zen Budismo, por exemplo. Na antiga Índia, cada individuo, desempenhava um papel na sociedade, segundo sua aptidão, seja um artista ou um guerreiro, por exemplo, e então, desenvolvendo essa sua aptidão terrena, ele começava a percorrer um caminho de iluminação, depois de iluminado, através desse processo iniciatico, ele voltava a desenvolver seu papel segundo sua aptidão mais terrena, e assim se encaixava toda sociedade.
Por isso, acho que não é a atividade em si que pode garantir a espiritualidade, e sim, a forma como ela é encarada e vivida.
O Surf, que no Havaí, já foi uma atividade religiosa, é hoje apenas um esporte comum, mas pode ser muito mais que isso. Acho que é um esporte estético, e estética, na minha concepção, é espiritualidade.
Cada onda exige uma seqüência de movimentos diferentes, um trajeto diferente, e esse trajeto, tem de ser feito como movimentos harmoniosos, belos e fluidos (o estilo). Não é isso que é a arte, o maximo de eficiência, num espaço estético, não necessariamente predeterminado pelo artista? Beleza e eficiência.
Alem disso, esse esporte tem uma relação direta com a natureza, e mais que isso, com os movimentos cósmicos, é como se o surfista se diluísse nas ondas e ao mesmo tempo, ele as completa, com seus movimentos humanos e estéticos (beleza, arte).
Acho que isso, na mão de um grande sábio, poderia ser usado no processo de iniciação, como na Índia Antiga. Infelizmente, não sou um sábio e nem sei onde encontrá-los hoje em dia. Eles ainda existem?



Felipe Stefani

domingo, 16 de dezembro de 2007

Veredas Modernas

Diego Velázquez; Retrato do Poeta de Luiz de Góngora y Argote
Frans Hals; Retrato de Pieter van den Broecke; 1633

Uma forma de entender a historia da arte é como, depois do Renascimento, com maior liberdade para criação, aos poucos os artistas foram criando formas mais abstratas. Nessa pintura de Velázquez, Retrato do Poeta de Luiz de Góngora y Argote, a abstração geométrica que veio a tona no modernismo do séc. XX. Na pintura de Frans Hals, o tipo de destorção, de uma abstração parecida com a o impressionismo do séc.IX.
Na Idade Media, a arte era concebida principalmente como representação da simbologia religiosa, tinha muito menos aspectos antropocêntricos, como aconteceu depois do Renascimento.
Vejo uma analogia parecida entre a arte egípcia, com suas formas simples e chapadas, e a arte helênica, mais abstrata, com um nível de entretenimento intelectual bem maior, típico do antropocentrismo.
É só uma maneira de conceber a historia da arte, que também não é uma historia linear, mas com certeza, mudaria muita coisa na visão contemporânea, se começássemos a perceber um pouco mais desse movimento cíclico, entre tradição e antropocentrismo.



Felipe Stefani.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Colaborações: Marcelo Ariel e um texto sobre os 150 anos de Flores do Mal



150 QUIMERAS SONDAM O JARDIM DO ANJO-BÁRBARO.

Uma pequena e confusa abordagem do legado de Baudelaire nos 150 anos de AS FLORES DO MAL.

Por Marcelo Ariel.


Charles Baudelaire foi o Dante de seu tempo e podemos nos arriscar a dizer que 150 anos após a publicação de seu AS FLORES DO MAL , ele ainda ocupa o posto mais alto entre os poetas
no Cânone Ocidental.
Rimbaud , Valéry, Lautréamont, Os surrealistas, T. S. Eliot, Ponge
e outros, inclusive muitos dos nossos contemporâneos devem muito a ele.
Baudelaire de um modo insuspeito para sua época inaugurou
a visualidade deambulatória como um vetor para o texto poético escrito em prosa no seu O SPLEEN DE PARIS e nisto ele atinge como um meteoro nossa atualidade , porque o século 21
será o século dos sentidos em movimento fantasmagórico
ou seja em deambulação constante entre um signo e outro.
O que é a internet senão uma grande caminhada
Em um não- lugar que está ANY WHERE OUT OF THE WORLD ?
Walter Benjamin foi um dos primeiros a apontar Baudelaire
como um dos criadores que refundam a cidade enquanto metáfora de seus próprios fragmentos. Ver seu monumental hiper-ensaio PASSAGENS.
Baudelaire é também o poeta que recupera o conceito latino da filia como centro de sua obra, através de sua ligação profundamente crítica e complementar com o escritor americano Edgar Alan Poe
e esta amizade é ela mesma uma Obra de arte
no sentido mais elevado do termo e só encontrará paralelo na convergências entre Eliot & Pound e nos BEATS )
Seria oportuno se alguma editora brasileira ousasse editar o ensaio de Suzanne Bernard Lê pòeme em Prose - de Baudelaire jusqu` à nos jours,
se possível traduzido por Ivo Barroso ou Leda Tenório da Mota.
Voltando ao centro desta nossa `confusa´ abordagem ,
o que mais chama a atenção, quando examinamos atentamente
a similitude que o próprio Baudelaire estabeleceu entre sua vida
e obra é o fato de que para ele o poeta não deveria jamais ser inofensivo , se descontarmos um certo dândismo irônico
latente em alguns de seus textos e ações e nos lembrarmos
do processo judicial movído na época contra o autor de As Flores do Mal pelo mesmo juiz que havia processado Flaubert
por Madame Bovary,poderemos concluir
que talvez ele tenha sido o último lírico realmente perigoso
ou seja o um dos poucos a assumir o risco por escolhas éticas apenas delineadas no pensamento estético esboçado em seus textos, a saber:
Opção pelo elogio da exclusão e da diferença, crítica do proselitismo e da hipocrisia da Igreja e elogio da alteridade.
O que naquele momento significava se tornar inimigo do Estado
e dos Bons costumes, mas não um inimigo da burguesia européia, que via em Baudelaire,uma espécie de Momo-Culto. ( É fácil notar que mais tarde essa mesma burguesia cultivará uma visão reducionista e preconceituosa de Antonin Artaud,mas devemos ressaltar que o que é transcendência da degradação burguesa
em Baudelaire, se tornará a transcendência provisória da loucura
em Artaud, que tentou realizar em seu próprio corpo um encontro entre a obra de Baudelaire e a de Van Gogh.
Talvez incentivado por um conhecimento excepcional do que está proposto como um esboço de projeto estético em Baudelaire,
sobre isso seria interessante uma possível leitura do TEATRO DO SERAFIM de Baudelaire dentro do TEATRO DA CRUELDADE de Artaud, mas isto fica aqui apenas como uma sugestão.
Para encerrar este falso ensaio, vamos ao fato inquietante :
Perguntei ao meu amigo, crítico-literário e livreiro José Roberto quantos exemplares de AS FLORES DO MAL ele havia vendido em mais de 20 anos no ramo e ele me respondeu:
` Precisamente dez ou doze`
Por que considero isto um fato inquietante?
Ora, estes dados subjetivos, talvez não sirvam para traçar um perfil editorial da carreira do livro de Baudelaire, no BRASIL, mas nos mostram que a influência da quimera econômica ainda ofusca o poder das musas.


Marcelo Ariel-Escritor & performer, autor de ME ENTERREM COM A MINHA AR 15 ( Dulcinéia Catadora) e O TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS (No prelo pela LetraSelvagem)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Singela Homenagem.


Morreu recentemente, em Novembro deste ano, o bailarino e coreógrafo francês, Maurice Béjart (1927 – 2007).
Infelizmente, não entendo o suficiente de dança, para fazer um comentário mais profundo de sua obra, mas o que vi, me agradou demais. Suas coreografias são fortes, marcantes e impressionistas.
Uma coisa que gostei, foi que ele foi bastante inovador, sem abrir mão do clássico.
Era culto e lia muito, religião e literatura. Acho que de certa maneira, foi um marco da arte no séc. XX.
Pena eu nunca ter visto um espetáculo seu.
Se alguém tiver uma dica, de alguma reinterpretação de sua obra, me avise.


Felipe Stefani

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

2005, Noite, Avenida Paulista...


Nos idos de 2005, andando na Avenida Paulista, de madrugada, com um amigo que acompanhava este poeta-turista... enfim, surgiu o poema que ora transcrevo.


VIOLENTAS MEMÓRIAS

Somos vulto
na cidade onde o tempo
perde-se em dor entre brumas.

Os passos se dispersam,
a cidade compõe
sua plena música.

Andamos violentas memórias
nas primaveras impróprias,
a Lua a nos dizer das distâncias.

E esquecemos as virtudes, às vezes,
na música dos passos,
até nos perdermos, inspirados.

Ribeiro Eiras

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Colaborações 2: Poema e Projeto Gráfico de Othon d´Eça Neves.

Não escreverei muito aqui pois comecei a conhecer a obra deste poeta a pouco tempo. No entanto, convido a todos a conhecerem junto comigo. Ele escreve em seu blog: http://kindertraum.blogspot.com/
O poema abaixo, junto ao desenho, é uma brincadeira com os números:


DO DESENHO DOS NUMEROS


O oito é o número mais inviolável que existe,
porque é uma trança.
O zero é um anel, mas parece mistério que união ele sela.
A diferença entre o oito e o zero é que o zero rompeu o laço.
O zero é um caminho circular.
O oito é um caminho circular repleto de paisagens transversais.
O zero é um buraco, o oito, o cenário de uma rampa infinita.
O zero é livre, o oito não.
O oito vive, o zero é,
ou não.


sábado, 1 de dezembro de 2007

Artesão de Imagens

O cinema clássico, da década de vinte até começos dos anos cinqüenta, é tão de diferente do cinema contemporâneo, que às vezes fica difícil para nós percebermos onde está a genialidade desses filmes antigos. Pelo menos eu tive um pouco dessa dificuldade. Talvez, depois de tanto experimentalismo no cinema, a partir da Nouvelle vague, nós desaprendemos um pouco a apreciar os verdadeiros artesões do cinema clássico.
Fritz Lang foi um desses artesãos; só quem percebe as sutilezas da lapidação desse mestre de imagens pode perceber beleza em seus filmes. Sua influência no cinema a partir da década de cinqüenta é imensa. Todo mundo que ama o cinema deveria ver seus filmes.
Eu recomendo sua fase hollywoodiana que pouca gente dá atenção, mas que é tão boa quanto a fase européia.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Estréia de Seção Colaborações com Daniel Faria.


Daniel Faria é poeta e historiador paulista. É uma honra começarmos nossas colaborações com ele. Por este poema, já dá para perceber por que eu recomendo que leiam sua obra. Lançou recentemente um livro pela Editora Dulcinéia Catadora, escreve para o site: http://www.meiotom.art.br/ e no blog coletivo: http://www.linguaepistolar.blogspot.com/
Quem não conhece, recomendo que leiam mais poemas dele, pois, como podem ver, vale a pena. Eu mesmo quero ler cada vez mais seu trabalho, são textos soltos, ritmados, intensos. Mas teria muito mais para falar do seu trabalho, pois uma obra assim precisa de uma análise mais precisa, coisa que não vou fazer aqui, por enquanto.
Segue abaixo o poema:


-Desterrado
(Um LP encontrado numa Feira de Antiquários)



Lado A (A situação hermética)


- Se você morrer hoje
flamívomo
veias de vidro
hidromel
Azar,
vai ficar rolando entre as pedras do caminho
sem descanso, um nome qualquer
seu nome, estas agulhas continuarão
ferindo sua boca por dentro mesmo depois da morte.

este é o castigo, distraído.
os piratas chegaram pelas tubulações
junto com os grifos mercadores de sangue congelado
e levaram todas as letras
mesmo as mais secretas, mesmo as trancadas nas gavetas
mesmo as indefinidas meras manchas
de quando você pensava que era um estúpido insone
sonhando em ser a anemia de um poeta oriental.
-
-
Lado B (O hermético situado)

- com seriedade
ela punha a luva de borracha
o som era um gatilho
seco sobre a pele, as mãos ao alto
em oração ou assalto:

- só vai ser uma picadinha
(não sei porque, ela sorria)



***
***


Os livros da editora Dulcinéia Catadora, vocês podem comprar neste site : http://paginas.terra.com.br/arte/dulcineiacatadora/

Mais poemas de Daniel Faria em : http://www.meiotom.art.br/

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Composição

A Pesca Milagrosa; Konrad Witz, 1444
Onda. Foto: Felipe Stefani
***
Apesar de na pintura de Konrad parecer mais um lago, o texto bíblico diz que a pesca milagrosa aconteceu no mar. Por isso a idéia de fazer a composição junto com a foto da onda.
Konrad Witz é um pintor que conheci na faculdade. Eu tinha que fazer um trabalho sobre a Renascença e acabei achando-o em um livro de arte. Recomendo a vocês que conheçam o trabalho dele. Ele inovou na técnica de pintar a paisagem e também representou os temas e os personagens de forma mais naturalista que os outros artistas de seu tempo. Foi um inovador.
A foto da onda tirei em um fim de tarde banhado a ouro, na Praia da Guarda do Embau em Santa Catarina, uma das praias mais bonitas que conheço, senão a mais bonita.
***
Felipe Stefani

sábado, 24 de novembro de 2007

Poema e Desenho de Felipe Stefani.

Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal
Libertando
A dança desregrada que atravessa a voz
Recompondo
Na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.

Estou completo em minhas paisagens.

De uma vida inteira absorvo a marcha
Canto as estações abertamente
Tocando com o esquecimento as margens
Que se distanciam
E evocam
Toda pureza de uma arte.

Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
Do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
No alimento obscuro
Colhido do apuro
Das visões imensas?

Toda obra é terrível e sangra
Na memória a sua imagem.

No auge insondável desse estrondo
Canto
Em volta de uma dor
O dorso se contorce
No centro
Multiplicando o gesto
Um eco indefinido devora em travessia
Centenas de mundos construídos
E sonhados.

Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.



***
Mais poemas meus em: http://www.revistazunai.com.br/poemas/felipe_stefani.htm
aqui : http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2443 e: http://revistamalagueta.com/edanteriores/06/poemas/fs.html

Mais desenhos aqui: http://www.pbase.com/sodesenho/felipe_stefani

O amor, a canção ininterrupta


O AMOR, A CANÇÃO ININTERRUPTA

Trechos rearranjados e modificados de “Os Animais Carnívoros“, de Herberto Helder.

Dava pelo nome muito estrangeiro de canção, era preciso chamá-la sem voz: difundia uma sutil multiplicação de mãos e aparecia depois com sua nudez, escutando-se a si mesma, e fazia de estátua pelo parque inteiro, de repente voltava-se numa espécie de beleza repentina e urgente, inspirando a mais terrível ação de louvor, e bastava que tivéssemos muito silêncio, então os dias cruzavam-se uns aos outros e no meio avistava-se uma escultura imensa, fotografia embriagada. O que havia era uma plantação de espelhos, a canção aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos que ficar imóveis e sem compreender.
De repente a porta descerrava o espetáculo do antigo nascimento da lua num quarto escuro, agora víamos no meio de uma clareira de silêncio vivo nossa mútua e terrível nudez. Éramos uma cidade tremenda, e a canção era esta: "o amor, as mãos ininterruptas".




Quando penso em ti, danço até a ressurreição do tempo. Então embriago-me para ti, como as aldeias do corpo propagam-se pelo mar, tu emigras também em minhas vozes implacáveis.
De mãos dadas, entramos em pleno crime. Nesta trêmula doçura, somos crianças sucessivas nas pautas da música, com nossas aldeias devoradas pela lua, em misteriosos silêncios.
Nunca mais terei sono, vou despir-te tão lentamente quanto se tece uma estação no outono, porém tu dizes: “sei que o amor é sinistro" - e no entanto eu celebro este espaço louco.
De súbito, há um lugar que foge pelas trevas, porém tu dizes: “o amor é uma canção silenciosa”.
Mas abaixo, as flautas meditam a música, e nas terras do interior a canção é esta: os animais caem em fantasia.
Ouço a noite chegar como uma paisagem de violoncelos, ouço a solidão dos meses - e nos sentamos diante do incêndio.
“Só agora se morre de música circular”, e a noite vai de um lado a outro no sono espantoso de duas crianças completamente obscuras.
“Bom dia, estou nu”. Esqueço teu nome, depois tu partes, escreves as primeiras letras da noite, que cantam em tua morte.
Quando regressas, sou plena embriaguez, com a lua nascendo em minha glória.
Tu és paisagem repentina que se exerce na canção monstruosa com que avanças rumo à tua mais secreta e selvagem beleza.

André Setti

Meus poemas em: http://www.revistazunai.com.br/poemas/andre_setti.htm

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O Humano ou a Arte?

The Arnolfini Marriage; Jan van Eyck; 1434
Staffa, Fingal's Cave; William Turner; 1832
***
Tive a idéia de fazer composições assim, artistas de diferentes épocas. Essa me parece boa: um pintor Pré-Renascentista e outro precursor do Impressionismo.
Acho que são os períodos mais importantes da era moderna, o começo do Renascimento e a segunda metade do século dezenove, com o Impressionismo na pintura, o Simbolismo e o Realismo na literatura.

E então, o humano ou a arte?
***
Felipe Stefani

Na feira de livros da USP...

Entre livros, livros e livros que não acabavam mais, vi algumas camisetas com frases célebres. Duas delas me chamaram especial atenção:

“Olho por olho, o mundo ficará cego.” - Gandhi

“Só acredito num Deus que saiba dançar.” - Nietzsche

Frases poéticas, que falam por si só.

Depois voltei aos livros e livros...

André Setti

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

“Não pode haver grande homem para seu criado de quarto, porque o criado de quarto tem lá sua própria maneira de compreender a grandeza”.

Leon Tolstoi em Guerra e Paz, Livro Quarto, Segunda Parte, Cap. 5

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Cerâmica de Megumi Yuasa


Fotos: Felipe Stefani

Megumi Yuasa nasceu em São Paulo, em 1938. Foi convidado a participar da Escola Brasil, ficando lá por seis meses. Antes disso, passou três anos no interior de Goiás, produzindo cerâmica. Não parou de produzir desde então. Hoje é considerado um dos melhores escultores e ceramistas do Brasil.
Para mim, alem de um amigo, é um artista místico, daqueles que quase não existem mais, embora ele mesmo não se veja assim. É um artista simples e sempre em busca da liberdade.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Textos Mudados



O MARINHEIRO

Era um cão que tinha um marinheiro. O cão perguntou à esposa, o que se pode fazer de um marinheiro? Põe-se de guarda ao jardim, respondeu ela. — Não se deve deixar um marinheiro à solta no jardim, que fica perto do mar. Um marinheiro é uma criatura das águas; em vez de guardar o jardim, ele acabaria por fugir para o mar. — Deixá-lo fugir, disse a esposa do cão. Mas ele não estava de acordo. - Nesse caso, só nos resta ir para uma terra do interior, disse a cadela.
E então foram para o interior, levando pela trela o marinheiro açaimado. Durante o percurso, viram muitas paisagens. O marinheiro se espantava com as paisagens que podem existir longe do mar. Fez diversas observações a esse respeito, provocando o risonho latido dos cães que, pela sua parte, concordavam em que tinham um marinheiro muito inteligente. — Nem todos os cães têm a nossa sorte, disse o cão, pois conheço vários cães que são donos de vários marinheiros estúpidos. Iam por isso bastante contentes e diziam, a outros cães com quem se cruzavam, que possuíam um marinheiro invulgarmente esperto. — Ele tem uma filosofia das paisagens, dizia seu dono.
Quando chegaram ao mais interior possível, alugaram uma casa com um jardim e puseram o marinheiro a guardá-lo. — Guarda-o, disseram. Deixaram-lhe ao lado uma dúzia de latas de sardinhas e foram para dentro de casa. Durante sete dias e sete noites, o marinheiro refletiu sobre as paisagens do interior e comeu as sardinhas de conserva.
Porém, a esposa do cão não se adaptou ao clima, não suportou viver sem a brisa marinha. O marinheiro agonizava ante a perspectiva de abandonar a geografia dos solos, ainda que o cão tentasse convencê-lo de que o mar era igualmente artístico. Na véspera da partida, o marinheiro foi encontrado morto. Dizem que ele mesmo se enterrou no solo.
O casal de cães regressou ao porto, mas nunca mais teve um marinheiro.


Inaugurando a série "Textos Mudados", com "O Marinheiro", de Herberto Helder, mudado por André Setti

Conto da Lua Vaga Depois da Chuva


Faz Tempo que o artista Megumi Yuasa me recomendou este filme de Kenji Mizoguchi, como um dos melhores da historia do cinema Japonês. Mas passaram anos sem que eu encontrasse o DVD, ou que alguma sala o exibisse.
Finalmente, ouve uma exibição do filme no Centro Cultural São Paulo, em uma quarta feira a tarde. Larguei tudo para não perder essa oportunidade e fui vê-lo. A entrada era franca, o que permitiu que os tipos mais estranhos estivessem presentes. Eu, que ando sem dinheiro até para um cineminha, achei ótimo.
O cabelo do cara que sentou na minha frente era tão alto e fedido, que tive que mudar de lugar, quando levantei, vi que ele lia, ou fingia ler, um livro do Deleuze.
Um aspecto positivo da sala é que tem lá uma lanterninha que fica controlando tudo, exigindo silêncio e botando a sala em ordem. Fiquei mais tranqüilo.
Quanto ao filme, é um dos mais bonitos que já vi. É um conto popular, daqueles que parecem ingênuos, mas trazem sempre uma bonita verdade.
Para tratar a fantasia e a lenda da historia, ele usa a ilusão do cinema, o que para mim é a melhor forma de se tratar deste tema. Cinema é ilusão, fantasia.
As cenas são fortes e místicas: a fantasma sedutora, a fuga pelo lago entre brumas,a mulher que já morreu, mas fica para cuidar da família, quando ela vê que seu par de chinelos não está lá, percebe que tem de partir.
Não sei onde vocês podem ver este filme, mas façam como eu, corram atrás, que vale a pena.


Felipe Stefani

A Catedral Submersa. (Poema e Desenho de Felipe Stefani)


De uma imprecisão sonora
o arco de um pássaro
baila no ar da tarde.

Dos degraus de uma estética vasta
a dança primordial de um poema
na leveza que antecede a arte.

O poema emerge dessa amplidão migrante,
de um transbordar que navega
e busca em si mesmo o seu mar.

Trai o reino em silêncio
e reverbera em liberdade
o acaso do seu gesto.

.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Matthias Grünewald


Matthias Grünewald era um dos pintores favoritos de Candido Portinari. Tem uma historia bonita: por ocasião da visita do pintor brasileiro a Madri, ele foi ao Museu do Prado para ver essa pintura aí acima, de Grünewald, A Crucificação. Ao chegar, o guarda avisou que o museu já havia fechado. Então ele foi até a entrada, e ficou, por um longo tempo, observando o quadro pela fresta da prota.
Aconselho, a todos meus dois leitores, a conhecer a obra desse pintor gótico. Uma pequena introdução pode ser feita nesse link: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/grunewald/
Felipe Stefani

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Consciência de Zeno.


Alguns escritores ficam mais esquecidos que outros, não são lembrados entre os grandes gênios. Isso não tem importância. Gênio? Isso é bem arbitrário; em outros tempos, como na Idade Média, acho que ninguém era considerado gênio, o que se cultuava eram os iluminados, e não os gênios. Então, acho a genialidade uma coisa difícil de definir, pois é muito abstrato e moderno. ( Sim, sou meio tradicionalista.)
Bom, mas eu queria falar de Ítalo Svevo, escritor que nasceu e viveu em Trieste, Itália.
Teve aulas de inglês com James Joyce e se tornou seu grande amigo. O estilo de Svevo é bem mais convencional que o de Joyce, talvez por isso seja subestimado, mas nem por isso é menos interessante. A Consciência de Zeno é, aliais, meu romance favorito. Pode não ser o melhor, mas é meu favorito. Me fez morrer de dar risada e também quase chorar. Quase chorar é um exagero, mas me falta uma palavra agora para descrever a comoção e angustia que senti em um certo trecho do livro. Ah, tá aí, comoção e angustia. E riso!!
Façam um bem a vocês mesmos e leiam esse livro.

Felipe Stefani.

Caderno de poemas...

Remexendo as gavetas, achei um caderno com poemas antigos... dos idos de 2003. Claro, o estilo mudou, me gostei do que li. Eis uma amostra.


O QUARTO DA PRAÇA

Janela do quarto.
Escuro e aberto.

Vão para o nada.
Ilha entre vozes esparsas
a dizer da solidão.

Ribeiro Eiras

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Rendendo-se a Antonioni



Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman morreram quase no mesmo dia e muito se falou dessa coincidência. No entanto, a verdade é que não havia uma relação direta entre esses dois cineastas. Em uma entrevista antológica, Bergman disse que nunca foi muito chegado em Antonioni, fez mesmos severas criticas a seus filmes. Criticou inclusive seu modo de persistir demasiado tempo em uma mesma tomada, disse que Antonioni nunca compreendeu muito seu ofício. Alguns trechos dessa entrevista saíram na revista Bravo, não lembro em que edição. Já tinha lido também uma critica que François Truffaut fez sobre o filme A Noite, do cineasta italiano, em que, em uma tomada interminável, num mesmo plano, Jeanne Moreau vai descendo a rua, anda, anda, anda... quando, finalmente, ela dobra a esquina, a câmera não muda, continua no mesmo lugar, filmando a mesma rua vazia durante demasiado tempo.
Nunca foi muito fã de Antonioni, mas, por ocasião de sua morte, fui assistir em São Paulo ao filme Profissão Repórter, na Cinemateca. Nesse filme, me rendi ao gênio do diretor. É um filme magnífico; ele usa, ao extremo, todos esses recursos citados acima, porém, justamente por isso, o filme acaba tendo um efeito surpreendente. Acredito ser um filme a ser assistido apenas no telão, na televisão perderia muito. Ele trata da questão da comunicação, do tempo, da linguagem. O filme passa por diferentes culturas e paises e me senti quase dentro do filme, é absorvente, sem falar nos impagáveis Jack Nicholson e Maria Schneider. Tem também toda aquela mensagem de esquerda nas entrelinhas, da qual não sou muito fã. Mas que saudade do tempo em que a esquerda era assim talentosa.

Ribeiro Eiras

terça-feira, 30 de outubro de 2007

A Penny for a Poem

Nós, poetas, já nascemos pobres,
Porém, já nascemos livres...

E salve a MPB!

André Setti

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A Primeira Grecia

Lao Tse deixa a China rumo ao Ocidente

Foi com Anaximandro, na Asia Menor, que surgiu pela primeira vez o tipo de pensador que vai lidar com a totalidade do universo, não mais apenas seu nascimento pela ação dos deuses, como pensavam as antigas tradições, mas sim sua realidade própria, a natureza por si mesma.
Acredito que se deu aí a fonte do pensamento ocidental moderno. Para os antigos, tudo era a manifestação do não-manifestado, o que não deve ser confundido com o nada, já que o não-ser só existe a partir da perspectiva do ser, o manifestado. Para os gregos, depois de Anaximandro, a natureza aparece dotada de uma estrutura própria, independente das vicissitudes teogônicas e cosmogônicas.
Talvez por isso Aristóteles ia do ato à potência, do princípio às consequências, e assim é a metafísica, ao contrário da China antiga, por exemplo, que ia do ying ao yang, das conseqüências ao princípio, do inferior ao superior, como no desenvolvimento do processo cosmogônico, onde "no começo" está o caos, as trevas, e a luz está "depois das trevas". Mas esse assunto devo retomar em outra ocasião, aqui no blog.
Ao mesmo tempo que se deu essa mudança com Anaximandro, acontecia na China uma ramificação do saber tradicional entre o confusionismo e o taoísmo e, em outras civilizações, aconteceram coisas semelhantes no mesmo período. Isso remete à teoria cíclica do hinduísmo tradicional, na qual, quando um ciclo chega perto do seu fim, começa a espiritualidade a se ramificar e depois se perde.
Depois da segunda fase grega veio Roma, ainda menos tradicional e, enfim, o cristianismo deu início a um novo ciclo, que teve seu auge na Idade Média. É interessante lembrar que São Paulo disse que foi essa idade da razão (a Roma, menos tradicional a qual me referi) que abriu espaço para a concepção cristã.
Não sei se concordo com essa teoria cíclica (talvez a palavra teoria não seja a mais adequada para este caso), que, colocada dessa forma como expus, remete à idéia de uma união metafísica entre todas essas tradições e também a crença de que todas vieram de uma mesma tradição primordial.
Nem quero aqui dizer quem está certo ou quem está errado por ser este um assunto profundamente complexo. De qualquer forma, é importante poder enxergar a história também por um ponto de vista mais espiritual e não só com o olhar antropocêntrico da modernidade, que só entende as coisas através de seu único ponto de vista, como se o passado e os homens antigos fossem um reflexo ultrapassado de si mesmos.
Felipe Stefani

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Este blog é coletivo, e os assuntos são vários. Mas o fato é que somos poetas...
É uma pena, mas temos hoje apenas mais um poema...



Sou peixe delirante em código indecifrado, portanto não me peçam para apenas acender o fogo, pois o fogo, de fato, eu advinho, e a nascente é onde os peixes indecifrados fazem traçados delirantes por meio da cor e do espírito.
Porém, de fato, não sou peixe, mas um comício de recordações viventes e cada vez mais universais, controversas. Não sou um peixe, de fato, mas doze luas embriagadas sob as íntimas marés que me condenam, pois fazem de mim um palco, o palco, as incríveis trincheiras.

André Setti

domingo, 14 de outubro de 2007

Definições...


Algumas definições (sempre incompletas) sobre poesia. Pessoalmente, gosto mais da última. Mas a vida, como a poesia, sobrevive muito bem sem definições...

"O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar' - Charles Baudelaire

"O poema não é feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do branco que fica no papel' - Paul Claudel

"O poeta faz-se vendo através de um longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos" - Arthur Rimbaud

"A solidão da poesia e do sonho tira-nos da nossa desoladora solidão" - Albert Béguin

"Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas" - Federico Lorca

"A poesia não é nem pode ser lógica. A raiz da poesia assenta precisamente no absurdo" - José Hidalgo

-- "A poesia é um nexo entre dois mistérios: o do poeta e o do leitor" - Dámaso Alonso

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Monet, Sunrise


Cultuamos sonhos, versos, pinturas...
E você, o que cultua?
Se você escrevesse, agora, um poema, qual seria o primeiro (ou os primeiros) verso(s)?

Poema Místico

Felipe Stefani também deixa sua marca na abertura desse blog:


Repentino,
Na clareira vulcânica da idade,
Concebi assim a leitura da memória;
De que tudo que desata, cresce e morre
Tem um gesto,
Um gesto de princípio.

Deveríamos chamar "ritmo"
Tudo que nos torna exaltados.

Somos tentados a ver dentro do sonho,
Assim nos recriamos do que nos causa escândalo,
Nomeamos a noite, a tarde e a manhã dos tempos,
Como fôssemos deuses.

Somos ritmo do sonho,
Lembrando, vagando,
No fim de cada era,
Causando escândalo.

Vede as estrelas,
Os frutos das figueiras,
O templo,
Furiosamente serão lembrados.
Viveremos disso,
Dando ao mundo
Um nome de batismo.

Chamaremos "inspiração"
Tudo que concentra,
Avança e se enraíza.

Impérios definham.

Somos tentados a dizer que foi um sonho,
Um sonho dentro do sonho,
Se concebêssemos tal geometria.

Pois também se lavram as terras antigas.
Vede, as águas calmas
São também colhidas.

O sonho não é sonho,
A memória não é memória.

Há sempre um Deus a redizer a história.


Felipe Stefani

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Aqui Começamos...

Blog coletivo de Felipe Stefani, André Setti e Ribeiro Eiras.
Cultuaremos um pouco de tudo: versos, pinturas, sonhos, o que vier...
Coube a Eiras fazer o poema inaugural.


POEMA INAUGURAL

Havia uma linda ribeira.
Remava até o final da ribeira
e nada sentia
(apenas um nome devastado).

Vi que nada ali
me percebia.
Parecia-me varar
a carne das sombras,
o lago, suas lendas,
aboliam-me, à beira
do encantamento rude,
com meu nome espelhado.

"Farei o poema inaugural',
pois sou o poeta das vozes.
No entanto, navegava
esta ribeira muda
e me indagava,
às margens do nome,
e mendigava,
sei lá,
algum verso.

Ribeiro Eiras