terça-feira, 26 de maio de 2009

Noturno



noite
constelações escassas
nas raízes de carnívoras povoações taciturnas
buracos ligados por dedos fulgurantes
contra as grutas do poder do sono lírico
os panos todos selvagens planos contorcidos
e não sentes o ar culminando à janela luminosa da loucura
a pulsar tua península crivando mortes e visões

o medo enfim
talvez a dança




***
Felipe Stefani

domingo, 24 de maio de 2009

Cores no Dique.

Flávio Viegas Amoreira escreve novo texto sobre a experiência do filósofo e artista plástico Maurício Adinolfi dentro do projeto Residências Artísticas em Pontos de Cultura, no caso o Instituto Arte no Dique, em Santos.




Arte no coletivo, o Devir cromatizado na precariedade aparente e na imanência do risco: só o impermanente refletido é humano. Interação movediça, curso errático dum braço de mar de nome bugre moldando rio-corrente gestando Oceano ao largo. Folhas de madeirite "volpiando" o dique que contêm bravamente o Atlântico: o rumor das tintas em sinestésica tessitura amalgamada a maresia / umidade primal / mítica / palafitas que suportam / sustêm no instante a original errância...

Fenomenologia sem travas: elocubração molecular.

Poética concreção: casas-signos carregadas de significados / rizomas fractados em húmus fertilíssimo de encanto horizontalizado por perspectivas inusitadas a reboque do leito sem margens precisas. Urbanismo orgânico / humanização da paisagem / naturalização da comunidade pela estetização dessa disposição sensual das vagas ao sabor da maré reentrante. Visualidade distendida: gente habitando azul e vermelho / sem vértices ou ângulos arbitrários: as cores são estatuto do encantamento assentindo a dissolvência. Móbiles: veredas imagéticas / a dialética sem síntese na geometria de planos inconsentidos: magia cética dos cubos que se projetam expressando ao infinito o traçado que não se permite imantado. Nada se fixa / nenhuma acomodação óptica: sobrevivência do impossível onde nada é prosaico / nesse cadinho onírico tudo é ascenso epifânico, o sublime moldado pelo compósito terreno. Cores primevas / descida plástica ao paraíso inquietante do experimento / a ferveção desordeira do espaço / pulsão dilatada / múltipla / o sol reaberto em clareira.
A existência tatuada na imersão colorizada / o Mar que desliza riacho escondendo lacustre hidrográfico oceânica grandeza: barracos / casario / barroco: senhores dignos mestres sobrados da incerteza sem aparas. Nessa borda sem porto a fugacidade faz a realidade algo palpável desvelando o desejo presentificado: cada matiz é um sorriso orgíaco / orgasmo anímico / distensão das esperas. Epopéia lírica / janelas sem amuradas / braços forjando identidades / cidadãos sujeitos de sua história em aquarela : parapeitando o mais extremo do infindo: o indiviso marinho. Subversão sem escora / fecho / gancho: sabor dionisíaco do delírio enxaguando-se na felicidade do absurdo respingado. Cores conviventes, correspondências cósmicas: aqui nem a noite é breu entre o sustenido de barcos / madeirame rangente / onde o céu cobre-se de escamas no ventre salobro das esferas. Quanto mais miro menos turvo onde minhas pupilas não se desgastam: o "habitat" não refrata / aqui nada repele / todo-tudo alonga-se em eco transmutado em espelho. Nenhuma utilidade das cores além do milagre epidermicamente sentido: útil é da ordem do desnecessário/ entre os moradores há luz eivada da cores questionando o excesso de "úteis inutilezas" na outra sociedade: onde consome-se o irreal por ser exorbitado. Prodígios reverberam: não é fogo-fatuo da ruínas do capitalismo: são moinhos auto-realizantes.

Nenhum faro mercadológico ou lógica redutível: essas cores fazem-se poemas / êxtase agitando-se sem termo ou medida. A simetria é só efeito primordial antecedendo atmosferas superpostas / apoteose submersa: intangível quadrilátero/ até onde vista alcança nada que fascina é passível de enquadro. "Hapenning" / performance / obra aberta: tudo intuído, o efeito ultrapassa ilimitado ou deliberado. As cores falam / dizem / projetam tudo-todo que um tom alumia: não é projeto / "Cores no dique" é retenção mutante dos caminhos / metalingüística observação táctil do trajeto. Desprovido de paternalismo a ação do artista co-move mutirão desprovendo-se de ego para amplificar o arco de ação negando apropriação da Arte tão somente pelo indivíduo: "soma" de ilhas, as cores lançam pontes entres toda a gente "comunizando" a Utopia / agregando o arquipélago-ocre num continente-cores. Só um senso / nexo / propósito: o arco-íris encarnado / “habitabilidade” densamente mitificada / o profano artisticamente sacralizado: Arte sem evasão / cores alinhavando um compromisso de rompimento / protesto sábio / vívido alumbramento. Sabotagem de arquétipos / desprezo ao clamor apocalíptico / descontrução do tédio pela erotização radical do espaço pelos cacos numinados / inspiração seminal do "locus-topus" pelo mais fundo de sua "naturaleza". Arte é dique sem barreiras: pensamento nômade / pólen quântico-náutico. No princípio era o verbo fazendo Arte. Embarcadouro: nada assenta ou repousa / as cores acompanham o embarcadouro nesse estado "originalizante" de "estar-aí" mutante: o dique pinta-se feito metalinguagem onde a existência faz-se morada.

Arte adesiva, não encerrada / estanque: clareia serpenteando a esmo num acaso objetivo: o mundo aqui é onde cor vai adentrando seu enredo

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Tao

Nan-po Tzu-k'uei disse a velha corcunda: "És velha em anos; todavia, tens a compleição de uma criança. Por que isso?"
"Eu ouvi o caminho!"

Chaug Tzu

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ROMULO FROÉS- O SAMBA EM TRANSE:

Por Marcelo Ariel.


Sobre No chão sem o chão de Romulo Froés, antes um retrospecto: Em Calado e Cão, seus discos anteriores Romulo soube como poucos mergulhar nas fontes ontológicas do samba, onde suas raízes se cruzam com as do Blues, são discos onde a energia do samba se funde com a do blues, a palavra blues aqui designa mais um estado de espírito do que o gênero musical, Calado e Cão são discos de sambanzo. No fundo Romulo é bem mais do que um sambista e chamá-lo de sambista talvez seja um reducionismo, em seus dois discos anteriores podemos encontrar elementos do cool jazz , ecos da fossa de Tito Madi e Dolores Duran e é claro, muito da aura de Nélson Cavaquinho transfigurada, revisitada e ampliada para outros horizontes da dor, álias, Nélson Cavaquinho talvez signifique para Romulo Froés o mesmo que Edgar Alan Poe para Baudelaire, é mais uma ressonância do que um modelo. Dito isto nos voltamos para este recém lançado e duplo No chão sem o chão que me parece uma renovação ( no conteúdo) em relação aos dois discos anteriores, aqui R.F. sai do samba pela porta da frente através do transe elétrico ou do transe das texturas elétricas das guitarras, "sai" e passeia por outros jardins sonoros para no final do segundo disco-sessão, como uma cobra mordendo o próprio rabo, voltar a ele, retornar para uma transfiguração do sambanzo de Calado. No chão sem o chão é o disco onde o projeto de R.F. alcança uma síntese, onde as raízes do rock, do cool jazz e do samba se misturam às vezes em um mesmo módulo-canção , é um disco-conceitual fundado na investigação de uma ontologia da dor e em uma jornada lírica em direção ao estranhamento do mundo. Romulo faz sua música a partir de um não-lugar, o mesmo não-lugar onde Garrincha dançava seus dribles, o mesmo não-lugar onde Augusto dos Anjos escrevia seus poemas e o título do cd nomeia este não-lugar com uma triste e certeira elegância .
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Marcelo Ariel direto do deserto do marketing do enigma.