sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Tratado de Simbólica.


Estou lendo "Tratado de Simbólica" de Mário Ferreira dos Santos, publicado pela É Realizações. Uma das coisas básicas que aprendemos com esse livro, é como a religião é tratada de forma ingênua, justamente por aqueles que assim a consideram. Estudando a simbologia, aprendemos como a religião está longe de ser, ao contrário do que muita gente ingenuamente pensa, apenas um "sistema de crenças", mas sim uma maneira profunda, filosófica, racional e intuitiva de compreender a existência. Por isso, o livro não é de fácil abordagem, nele Mário Ferreira estuda com todo o rigor necessário a simbólica e o pensamento de filósofos como Platão, Aristóteles e Pitágoras. Ele mostra, por exemplo, como no mundo das idéias de Platão, as formas ideais tem uma significante relação com as formas da realidade e com o mundo inexplicável do infinito por trás delas. Isso mostra que a filosofia de Platão está muito mais próxima de Aristóteles do que costuma-se dizer hoje em dia. Dito tudo isso em outras palavras: não deixem de ler esse livro!!!

Felipe Stefani.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Malabarismos Juvenis.


Eu vi o escasso tempo de malabarismos juvenis
A estalar a seiva acidentada da tarde,
A aurora pura entrelaçada ao meu próprio sono
Nos instantes precários de um segredo vago.

Na oblíqua solidez dos corpos
Abre-se a rosa inicial sem nome, turva e casta,
Impura como a brisa imaculada dos sonhos, da voz,
Em uma espécie de chamado.

Eu vi o estrondo de uma gloriosa infância,
A alegria que em mim eram crianças cintilantes,
Na tarde volúvel, onde o mar, em silêncio maior,
Faz dos corpos uma presença errante.

Devo amar calado o triunfo crepuscular da juventude,
Seus beijos ao mar e sua oferenda de mistérios,
Na rosa oblíqua de um chamado puro,
Na vastidão precária dos instantes.

Eu vi tudo isso e amei, sendo eu mesmo uma oferenda eclusa
Aos mistérios juvenis, que desafiam os segredos do mar.



Poema e desenho de Felipe Stefani.

Pequena Prosa

.

Do alto do meu tempo grisalho, contemplo a praça e a cidade, a vida de tantos e tantos enganos. Do mundo fiz pouco caso, ou ao acaso de mim fizeram pouco. Desconheço a ordem dos fatos, a cronologia dos sentimentos. Sei que hoje (e este hoje se estende a muito tempo ao longe) contemplo cisnes, caminho e possuo a tarde, e nada me é estrangeiro. Apenas o mundo, numa dessas andanças, reconstruiu-me sem ideal nem esperança, e o dono da vida, este deus indagado, nem se deu nem ao trabalho de sorrir.
Gastei as melhores horas em versos, amores, mistérios. Mas o que fica disso tudo, para dizer assim, ao fim do caminho? Digo que a mim se afigura imensa a verdadeira estrada, que liga o hoje ao sonho e o sonho ao mundo. Digo apenas isso, o resto deixo ao caminho.

André Setti

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Fitzcarraldo.



O filme "Fitzcarraldo" de 1982, de Herzog, é irmão de "Aguirre, a Cólera de Deus", do mesmo diretor e que comentei a pouco tempo aqui. A cena final, nos dois filmes, tem Klaus Kinski altivo e soberano sobre sua embarcação. Em Fitzcarraldo, triunfante e orgulhoso, em Aguirre, também orgulhoso, mas delirante e derrotado,embora não derrotado aos seus próprios olhos. Mas os dois são a imagem da obsessão, do desejo de conquistar a selva. Esse desejo de conquista de um europeu sobre a Amazônia, me fez pensar sobre a natureza dos desejos humanos, sobre a origem de nossos valores, e nossa obsessão a defende-los a qualquer custo. O interessante é que quando criticamos os conquistadores europeus, ou o capitalismo americano( que é criticado pelos mesmos motivos), fazemos isso também inspirados por nossos preconceitos e valores, que aliais, muitas vezes vieram da Europa. a obsessão de Fitzcarraldo pela Ópera, é a obsessão pela arte e pela beleza, beleza que também abita a selva e a atriz Claudia Cardinare.Por tudo isso é um grande filme.

Felipe Stefani.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Marcelo Ariel Entrevista Felipe Stefani.



Marcelo Ariel: A poesia é para você uma opção ou uma necessidade, ou seja, você crê em "dom poético" ou o poema é o resultado de uma convicção?


Felipe Stefani:Sem duvida uma necessidade de criar, a primeira coisa que me lembro fazer em vida é desenhar compulsivamente, os moveis da minha casa eram todos desenhados, para desespero da minha mãe. Depois veio a escrita e os poemas. Talvez essa necessidade seja o dom e ao mesmo tempo a convicção. Mas como explicar pessoas que só demonstraram ter um grande "dom" artístico depois dos 60, 70 anos? Esse talvez seja um segredo metafísico.



Marcelo Ariel: Qual seria, na sua opinião, a função social da poesia dentro deste caótico e violentamente fragmentado inicio de século?


Felipe Stefani:Desfragmentar, elevar, modificar as pessoas que forem tocadas por ela.



Marcelo Ariel: Seu primeiro livro, o ótimo "Verso Para Outro Sentido", permanece inédito, muitos poemas dele circulam na Internet. O que significa para você publicar o livro em um pais que nos condena ao fracasso e ao limbo, e qual a importância da Internet diante desse quadro?


Felipe Stefani:A Internet é um meio libertário, que ainda assusta a alguns. Para os novos escritores, proporciona uma boa oportunidade para serem lidos e divulgar seus trabalhos, coisa que seria muito mais difícil caso ela não existisse. Mas o livro impresso é para mim igualmente importante. O livro tem algo que transcende o conteúdo. Quando você da um livro para um amigo, por exemplo, esse objeto tem um significado especial, corpóreo e afetivo.



Marcelo Ariel: Qual a relação entre a poesia e o surf?


Felipe Stefani:A relação é total. Surfar é como escrever um poema. O Surf é uma metáfora da arte.



Marcelo Ariel:Fale um pouco do seu trabalho com o desenho e a pintura, costumo dizer que mais cedo ou mais tarde irei abandonar a literatura e optar pelo silêncio do quadro, e você?


Felipe Stefani:Faz sentido, a poesia é como os gestos do corpo, ela delira, dança e se expande em símbolos obstinados. Uma hora o corpo se cansa. A pintura fala por si mesma e quanto enfim amadurece, ela se torna vida.



Marcelo Ariel: É a poesia um processo de auto-conhecimento dentro da tradição metafísica, você concorda com isso?


Felipe Stefani:A tradição metafísica na arte foi abandonada, alguns tentam resgatá-la, não me sinto muito capaz. Mas pensamento é espírito e as palavras são a manifestação do pensamento, isso é metafísica. A forma como usamos a linguagem na poesia, é sem duvida um processo de auto-conhecimento, uma alquimia do espírito, e assim é para o leitor que se envolve com profundidade com o poema.

Entrevista originalmente publicada em: http://www.teatrofantasma.blogspot.com/

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Aguirre, a Cólera de Deus.


O filme "Aguirre, a Cólera de Deus" (1972), do diretor alemão Werner Herzog, é um mergulho nas profundezas do obscuro coração humano. Em busca da lendária El Dorado, desbravadores espanhóis adentram os mistérios da floresta, até ficarem fatigados pela busca incessante e a tirania obcecada de Aguirre, interpretado magistralmente pelo ator Klaus Kinski. Quando já não resta a mínima esperança de sobrevivência, o delírio se torna a própria imagem da selva, que testa os limites das forças humanas e o desejo de poder do louco comandante. Essa foi a primeira das muitas e conturbadas parcerias de Klaus Kinski com Herzog. Um lindo filme, sem dúvida.

Felipe Stefani.

Composição.



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Poemas Mágicos

Após os poemas gregos, os poemas mágicos, inspirados pela leitura de Jung, a questão dos símbolos, o inconsciente, etc...
Os gregos voltarão em breve. A vida é cíclica.
André Setti





Ainda que um cavalo
transbordasse o verde elemento do sonho,
e pela noite sem tempo ele surgisse,
numeroso frente à ciranda,
o olho seria um relâmpago
a ver estrelas no infinito,
com o espírito retalhador das flechas,
do ritmo e do outono,
onde um cavalo é perseguido
pela casa arruinada dos símbolos
e sentam ambos à lareira,
devorando o fogo das eras,
nas centelhas irretocáveis do mito.

"O vinho é a lira do mundo", diz o cavalo,
para a cruel zombaria do sonho,
na casa arruinada do tempo,
fonte primeira do mundo.

André Setti








Ainda que um girassol
sangrasse no infinito
os violinos líricos
deste abandono,
a tarde enevoada de sombras,
com seus reis malabaristas,
veria renascer, ao longe,
no horizonte inalcançável dos mitos,
a violeta sagrada,
nua pela descoberta
de um idioma anterior ao sonho.

André Setti








Desenhando dragões chineses,
naufraguei o louco espelho do delírio,
pelas léguas estrangeiras de um homem,
ébrio em cada terra violenta
que abre com passos de relâmpago,
quando os dragões soam no sempre
do papel dançante,
um homem ergue uma muralha
entre ele e os dragões chineses,
no teatro estrangeiro que desenha
como uma bruma.

André Setti









Se uma roldana mágica
nos devolvesse o outono
rasgado pelo vento,
em cada verso
das begônias generosas do tempo
um louco compreendesse a embarcação,
e os doze girassóis tripulantes
iluminassem o naufrágio,
ao menos o abismo
teria belas alamedas,
entre as entranhas devoradas pela cólera
e o encanto.

André Setti

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Acorde Noturno.



O acorde da noite
mais uma vez tombou
sobre meu corpo migrante,
e, sendo a música a vastidão no instante,
deixei-me sonhar em volta dela.

Ela que me tocou na noite,
na correnteza de músicas estranhas,
como mar revolto entre as sombras dos naufrágios.

E navegamos,
sacrificando o mar, multiplicando as margens,
a infinita música dos presságios,
exilados nessa travessia,
onde somente as estrelas morrem por nós.




Poema e desenho de Felipe Stefani.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O Homem Elefante de David Lynch



"O Homem Elefante", filme de 1980, do diretor americano David Lynch é, sem duvida, uma obra-prima do cinema. Filmado em preto e branco e usando recursos de filmagem do expressionismo alemão, este filme é uma verdadeira homenagem a cinema clássico. A estória é real, e emociona a dignidade do protagonista, um homem deformado por uma doença raríssima, que foi considerado retardado no começo, mas depois descobriram que tinha uma inteligência acima da média. O ritmo do filme é ditado pelo progressivo desvelamento do corpo do personagem, que é revelado aos poucos, evitando o sensacionalismo.Um belo filme, não deixem de assistir.

Felipe stefani

Revista Coyote 18.

Acaba de entrar em circulação a nova edição da Revista Coyote. Quis divulgá-la aqui por conta de uma poeta que foi publicada nesta edição da Revista. Trata-se de Beatriz Bajo, com certeza uma de minhas poetas favoritas da nova geração. Seguem, abaixo, alguns poemas dela:




LEITURA


dedos sobre folhas ansiosas em se fechar
pele sobre palavras sobre pretéritos
digitais que se fixam entre as pretas tintas
na página 44 duas pessoas procuram um lápis
e eu as esquadrinho entre as frases de antes
sujeitos de papel que me olham sem olhos
de cá fora e eu as vejo sem enxergar
pelas retinas, numa busca mais pra cima.




***



Cutículas Abertas

Assim que se arranca
Propositadamente
Desejo de corte da
Pele protetora
— fortalece
Aura da unha
: rosadinha
Ânsia de ver melhor
Corar ali
Alicate de —
Já me feriram
Politicamente
E cutuco da esquerda
Pra direita
Mas a cutícula acaba
No setor privado
De mim
Roendo os dedos de
milhares
Unhas de fome
Sangrando de epiderme
Tudo fervendo de verme
Se pudesse...
Arranhava a cara da miséria
Mas é duro o pau oco
E lasca minha unha
Fraca mas
De cutículas abertas




***

e estamos misturados nessa estória
a noite é que te colore em minhas horas acesas
assim flexionando o que é nosso

escute meus murmúrios de quase ouvido no vento de teus versos

o vento é instante que acena quando passa
não fuja, solte-o
sinta a bofetada no rosto
que estilhaça cristais

rasgo que alcança a verve

triture gelo
nada que se conserve

bom comer-se,
mastigar todos os pedacinhos da última foto
e vomitar margaridas





Não deixem de conferir o blog de Beatriz Bajo: http://lindagraal.blogspot.com/

REVISTA COYOTE Nº18


COYOTE

Revista de Literatura e Arte

N.18 * Londrina (PR) * Primavera de 2008
Uma publicação da Kan editora


Editores: Ademir Assunção* Marcos Losnak * Rodrigo Garcia Lopes

Consultor de fotografia: Juvenal Pereira

Foto da capa: Iatã Cannabrava

Ilustração da contracapa: Paulo Stocker

Distribuição nacional: Iluminuras - http://www.iluminuras.com.br/

e-mail:revistacoyote@uol.com.br

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Poemas Gregos

.

Estou lendo duas antologias de poetas clássicos Gregos e Latinos. Nomes como Horácio, Catulo, Virgílio, Píndaro, Homero, entre muitos outros, têm povoado minha imaginação poética nos últimos tempos.
Neste período, fiz uma série de poemas inspirado nestas leituras, numa espécie de releitura entre o passado e o presente, mirando sempre o futuro.
Trabalharei mais nisso. Estes poemas são o começo de algo.
André Setti




Não nasci
para fazer cantar
apenas
as doces sereias,
os vinhos e os versos
de um vasto império,
no dedilhar eterno de uma lira.

Sou, em trevas,
sentinela que anuncia
o fim de uma era,
em pleno enlace com o tempo,
festim violento
que destroça e gera,
no berço mais profundo
das raízes do mundo,
a rosa eterna,
inicial.

André Setti









Esta sagrada cidade em chamas
despertou
um velho cantor cego
e peregrino,
no abismo de seu violino adormecido,
violino que tantos séculos cantou,
séculos e ninfas, e deusas, e ruínas.

Nas trevas impenetráveis da lenda,
cantaremos o mundo,
a embriaguez.

André Setti







Mataram a beleza
Numa rara tarde de sombras.

Não haveriam de querer
Que ela cantasse as guerras
Com a lira macia dos vinhos.

Foi morta a beleza?
Eu não escuto, mas ela canta,
Nas clareiras abertas por guerreiros
Do encanto impossível.

André Setti







Os gregos navegaram o mundo,
Entre a luxúria e o império,
No reinado eterno dos Deuses,
Pela tragédia e engenho
Dos mares gregos, a odisséia
Dos séculos edificados em colunas,
Das nobre liras profanas
Celebradas por Baco embriagado,
Dos corpos em moto perpétuo
Rumo ao prazer, rumo ao tédio.

São gregos, então são o mundo,
Entre o destino e o talento.

André Setti







Entre o símbolo e o simples cantar,
o que resta ao poeta,
após a lira,
o silêncio reinar sobre o verso,
o que resta
além das metáforas,
do doce navegar dos vinhos?

Mito, delírio,
o que resta
entre luz e enigma,
num ritmo vertiginoso
de som e sentido?

O que resta, poeta?

O futuro,
na sombra de uma bailarina infinita,
o futuro.

André Setti