quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Quatro Poemas



  Interiormente era uma flecha que morria



Interiormente era uma flecha que morria.
Uma flecha que nascera agora, maravilhosa dentro da carne.
Uma flecha que sabia cantar luas enlouquecidas,
da a boca ao sexo pendendo
tanto.

Tanto interiormente essa flecha que um trajeto alucinante,
muito antigo, subia até o cu porque sondava até o nascimento
e almejava as margens fugitivas.

Uma flecha tão lúcida nos bosques do corpo
que supunha o ser ter uma massa alagada com campos inexistentes,
onde uma mulher se deita sobre todas idades do mundo.

Uma flecha violeta dormindo
pelos anos e anos dentro da música,
dentro do poeta sangrando.
Sangrando flores pelos ouvidos
aos pés, enlouquecendo terrivelmente.
A flecha amando em sua boca.
(A lucidez da flecha invadindo os poros da musa).

Tanto inexistia como era uma mulher. A flecha
ressurreta nas cores do ser eu via.
Uma vez vi a flecha mudamente migrando
no violeta das margens fugitivas, dentro do ser.
Flecha raríssima como pedra louca, que cobre e desvela-se.

Tão interiormente nascera, sondava e morria.
Girassol sombrio contra o ser-não ser. Sou,
mas não a flecha dentro de mim.




***




Nas estações todos esperam.
Como metáfora da vida
tornam-se lentos, graves, suspensos.
Nossa tarefa mais antiga

é esperar de uma ponta
à outra, breves, entre ida e volta,

em uma estrada ilusória.
O itinerário é uma miragem,
nele esperamos troféus ou glória.

Nele intuímos, breve, a essência,
nas estações da impermanência.




***







Os passos da vida
seguem alastrados.
Não há saída

para quem não canta.
Não há perdão
para quem não canta.

Que o caminho é isso,
caminhar, fazer-se
caminho. Mais que isso,

caminho é esquecer-se,
lembrar, morrer,
ser a fazer-se

nas grutas ocultas,
onde não há nada
que não se ata

a outro mistério
maior que a vida.
Não vale o martírio,

se não nos braços do princípio.




***




  Relato


Deste tempo em que estamos
(de onde escrevo este relato),
uns dizem o fim de uma era,
outros, o início de um fraternal estágio.
Eu bebo meu chá.

Sou do tamanho da minha janela
e nela cabe até o mar.

Quando os cargueiros somem no horizonte
deixam de existir aos meus olhos carpinteiros.
Talho o mundo a minha medida.
Usei amores, naufrágios, despedidas,
e já não eram sentimentos,
eram versos.

Leitores do futuro
desculpem a falta de decoro,
falo de um tempo meio cego,
meio caolho.
Sei que Camões via só com um olho.
Pessoa via com oito.
E eu, com três, vejo por um vidro embaçado,
um tanto roto.

De minha janela vejo comícios,
revoluções. Lá embaixo gritam muito,
todos sabem de tudo.
Falam em recriar a escrita,
reverter o status.
Mas além do mar,
do mar sem fim,
vejo deuses e mitos antigos,
seus nomes ainda intactos.

Então meus olhos navegam,
conquistam novas terras,
alçam guerras,
cantam presságios.

E finalmente se apequenam,
como gota de sal
do imenso mar de Portugal,
em uma síntese impossível.

Ó mundo antigo, nós te recriaremos!






***

Poemas de Felipe Stefani, julho 2012