quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Estréia de Seção Colaborações com Daniel Faria.


Daniel Faria é poeta e historiador paulista. É uma honra começarmos nossas colaborações com ele. Por este poema, já dá para perceber por que eu recomendo que leiam sua obra. Lançou recentemente um livro pela Editora Dulcinéia Catadora, escreve para o site: http://www.meiotom.art.br/ e no blog coletivo: http://www.linguaepistolar.blogspot.com/
Quem não conhece, recomendo que leiam mais poemas dele, pois, como podem ver, vale a pena. Eu mesmo quero ler cada vez mais seu trabalho, são textos soltos, ritmados, intensos. Mas teria muito mais para falar do seu trabalho, pois uma obra assim precisa de uma análise mais precisa, coisa que não vou fazer aqui, por enquanto.
Segue abaixo o poema:


-Desterrado
(Um LP encontrado numa Feira de Antiquários)



Lado A (A situação hermética)


- Se você morrer hoje
flamívomo
veias de vidro
hidromel
Azar,
vai ficar rolando entre as pedras do caminho
sem descanso, um nome qualquer
seu nome, estas agulhas continuarão
ferindo sua boca por dentro mesmo depois da morte.

este é o castigo, distraído.
os piratas chegaram pelas tubulações
junto com os grifos mercadores de sangue congelado
e levaram todas as letras
mesmo as mais secretas, mesmo as trancadas nas gavetas
mesmo as indefinidas meras manchas
de quando você pensava que era um estúpido insone
sonhando em ser a anemia de um poeta oriental.
-
-
Lado B (O hermético situado)

- com seriedade
ela punha a luva de borracha
o som era um gatilho
seco sobre a pele, as mãos ao alto
em oração ou assalto:

- só vai ser uma picadinha
(não sei porque, ela sorria)



***
***


Os livros da editora Dulcinéia Catadora, vocês podem comprar neste site : http://paginas.terra.com.br/arte/dulcineiacatadora/

Mais poemas de Daniel Faria em : http://www.meiotom.art.br/

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Composição

A Pesca Milagrosa; Konrad Witz, 1444
Onda. Foto: Felipe Stefani
***
Apesar de na pintura de Konrad parecer mais um lago, o texto bíblico diz que a pesca milagrosa aconteceu no mar. Por isso a idéia de fazer a composição junto com a foto da onda.
Konrad Witz é um pintor que conheci na faculdade. Eu tinha que fazer um trabalho sobre a Renascença e acabei achando-o em um livro de arte. Recomendo a vocês que conheçam o trabalho dele. Ele inovou na técnica de pintar a paisagem e também representou os temas e os personagens de forma mais naturalista que os outros artistas de seu tempo. Foi um inovador.
A foto da onda tirei em um fim de tarde banhado a ouro, na Praia da Guarda do Embau em Santa Catarina, uma das praias mais bonitas que conheço, senão a mais bonita.
***
Felipe Stefani

sábado, 24 de novembro de 2007

Poema e Desenho de Felipe Stefani.

Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal
Libertando
A dança desregrada que atravessa a voz
Recompondo
Na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.

Estou completo em minhas paisagens.

De uma vida inteira absorvo a marcha
Canto as estações abertamente
Tocando com o esquecimento as margens
Que se distanciam
E evocam
Toda pureza de uma arte.

Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
Do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
No alimento obscuro
Colhido do apuro
Das visões imensas?

Toda obra é terrível e sangra
Na memória a sua imagem.

No auge insondável desse estrondo
Canto
Em volta de uma dor
O dorso se contorce
No centro
Multiplicando o gesto
Um eco indefinido devora em travessia
Centenas de mundos construídos
E sonhados.

Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.



***
Mais poemas meus em: http://www.revistazunai.com.br/poemas/felipe_stefani.htm
aqui : http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2443 e: http://revistamalagueta.com/edanteriores/06/poemas/fs.html

Mais desenhos aqui: http://www.pbase.com/sodesenho/felipe_stefani

O amor, a canção ininterrupta


O AMOR, A CANÇÃO ININTERRUPTA

Trechos rearranjados e modificados de “Os Animais Carnívoros“, de Herberto Helder.

Dava pelo nome muito estrangeiro de canção, era preciso chamá-la sem voz: difundia uma sutil multiplicação de mãos e aparecia depois com sua nudez, escutando-se a si mesma, e fazia de estátua pelo parque inteiro, de repente voltava-se numa espécie de beleza repentina e urgente, inspirando a mais terrível ação de louvor, e bastava que tivéssemos muito silêncio, então os dias cruzavam-se uns aos outros e no meio avistava-se uma escultura imensa, fotografia embriagada. O que havia era uma plantação de espelhos, a canção aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos que ficar imóveis e sem compreender.
De repente a porta descerrava o espetáculo do antigo nascimento da lua num quarto escuro, agora víamos no meio de uma clareira de silêncio vivo nossa mútua e terrível nudez. Éramos uma cidade tremenda, e a canção era esta: "o amor, as mãos ininterruptas".




Quando penso em ti, danço até a ressurreição do tempo. Então embriago-me para ti, como as aldeias do corpo propagam-se pelo mar, tu emigras também em minhas vozes implacáveis.
De mãos dadas, entramos em pleno crime. Nesta trêmula doçura, somos crianças sucessivas nas pautas da música, com nossas aldeias devoradas pela lua, em misteriosos silêncios.
Nunca mais terei sono, vou despir-te tão lentamente quanto se tece uma estação no outono, porém tu dizes: “sei que o amor é sinistro" - e no entanto eu celebro este espaço louco.
De súbito, há um lugar que foge pelas trevas, porém tu dizes: “o amor é uma canção silenciosa”.
Mas abaixo, as flautas meditam a música, e nas terras do interior a canção é esta: os animais caem em fantasia.
Ouço a noite chegar como uma paisagem de violoncelos, ouço a solidão dos meses - e nos sentamos diante do incêndio.
“Só agora se morre de música circular”, e a noite vai de um lado a outro no sono espantoso de duas crianças completamente obscuras.
“Bom dia, estou nu”. Esqueço teu nome, depois tu partes, escreves as primeiras letras da noite, que cantam em tua morte.
Quando regressas, sou plena embriaguez, com a lua nascendo em minha glória.
Tu és paisagem repentina que se exerce na canção monstruosa com que avanças rumo à tua mais secreta e selvagem beleza.

André Setti

Meus poemas em: http://www.revistazunai.com.br/poemas/andre_setti.htm

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O Humano ou a Arte?

The Arnolfini Marriage; Jan van Eyck; 1434
Staffa, Fingal's Cave; William Turner; 1832
***
Tive a idéia de fazer composições assim, artistas de diferentes épocas. Essa me parece boa: um pintor Pré-Renascentista e outro precursor do Impressionismo.
Acho que são os períodos mais importantes da era moderna, o começo do Renascimento e a segunda metade do século dezenove, com o Impressionismo na pintura, o Simbolismo e o Realismo na literatura.

E então, o humano ou a arte?
***
Felipe Stefani

Na feira de livros da USP...

Entre livros, livros e livros que não acabavam mais, vi algumas camisetas com frases célebres. Duas delas me chamaram especial atenção:

“Olho por olho, o mundo ficará cego.” - Gandhi

“Só acredito num Deus que saiba dançar.” - Nietzsche

Frases poéticas, que falam por si só.

Depois voltei aos livros e livros...

André Setti

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

“Não pode haver grande homem para seu criado de quarto, porque o criado de quarto tem lá sua própria maneira de compreender a grandeza”.

Leon Tolstoi em Guerra e Paz, Livro Quarto, Segunda Parte, Cap. 5

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Cerâmica de Megumi Yuasa


Fotos: Felipe Stefani

Megumi Yuasa nasceu em São Paulo, em 1938. Foi convidado a participar da Escola Brasil, ficando lá por seis meses. Antes disso, passou três anos no interior de Goiás, produzindo cerâmica. Não parou de produzir desde então. Hoje é considerado um dos melhores escultores e ceramistas do Brasil.
Para mim, alem de um amigo, é um artista místico, daqueles que quase não existem mais, embora ele mesmo não se veja assim. É um artista simples e sempre em busca da liberdade.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Textos Mudados



O MARINHEIRO

Era um cão que tinha um marinheiro. O cão perguntou à esposa, o que se pode fazer de um marinheiro? Põe-se de guarda ao jardim, respondeu ela. — Não se deve deixar um marinheiro à solta no jardim, que fica perto do mar. Um marinheiro é uma criatura das águas; em vez de guardar o jardim, ele acabaria por fugir para o mar. — Deixá-lo fugir, disse a esposa do cão. Mas ele não estava de acordo. - Nesse caso, só nos resta ir para uma terra do interior, disse a cadela.
E então foram para o interior, levando pela trela o marinheiro açaimado. Durante o percurso, viram muitas paisagens. O marinheiro se espantava com as paisagens que podem existir longe do mar. Fez diversas observações a esse respeito, provocando o risonho latido dos cães que, pela sua parte, concordavam em que tinham um marinheiro muito inteligente. — Nem todos os cães têm a nossa sorte, disse o cão, pois conheço vários cães que são donos de vários marinheiros estúpidos. Iam por isso bastante contentes e diziam, a outros cães com quem se cruzavam, que possuíam um marinheiro invulgarmente esperto. — Ele tem uma filosofia das paisagens, dizia seu dono.
Quando chegaram ao mais interior possível, alugaram uma casa com um jardim e puseram o marinheiro a guardá-lo. — Guarda-o, disseram. Deixaram-lhe ao lado uma dúzia de latas de sardinhas e foram para dentro de casa. Durante sete dias e sete noites, o marinheiro refletiu sobre as paisagens do interior e comeu as sardinhas de conserva.
Porém, a esposa do cão não se adaptou ao clima, não suportou viver sem a brisa marinha. O marinheiro agonizava ante a perspectiva de abandonar a geografia dos solos, ainda que o cão tentasse convencê-lo de que o mar era igualmente artístico. Na véspera da partida, o marinheiro foi encontrado morto. Dizem que ele mesmo se enterrou no solo.
O casal de cães regressou ao porto, mas nunca mais teve um marinheiro.


Inaugurando a série "Textos Mudados", com "O Marinheiro", de Herberto Helder, mudado por André Setti

Conto da Lua Vaga Depois da Chuva


Faz Tempo que o artista Megumi Yuasa me recomendou este filme de Kenji Mizoguchi, como um dos melhores da historia do cinema Japonês. Mas passaram anos sem que eu encontrasse o DVD, ou que alguma sala o exibisse.
Finalmente, ouve uma exibição do filme no Centro Cultural São Paulo, em uma quarta feira a tarde. Larguei tudo para não perder essa oportunidade e fui vê-lo. A entrada era franca, o que permitiu que os tipos mais estranhos estivessem presentes. Eu, que ando sem dinheiro até para um cineminha, achei ótimo.
O cabelo do cara que sentou na minha frente era tão alto e fedido, que tive que mudar de lugar, quando levantei, vi que ele lia, ou fingia ler, um livro do Deleuze.
Um aspecto positivo da sala é que tem lá uma lanterninha que fica controlando tudo, exigindo silêncio e botando a sala em ordem. Fiquei mais tranqüilo.
Quanto ao filme, é um dos mais bonitos que já vi. É um conto popular, daqueles que parecem ingênuos, mas trazem sempre uma bonita verdade.
Para tratar a fantasia e a lenda da historia, ele usa a ilusão do cinema, o que para mim é a melhor forma de se tratar deste tema. Cinema é ilusão, fantasia.
As cenas são fortes e místicas: a fantasma sedutora, a fuga pelo lago entre brumas,a mulher que já morreu, mas fica para cuidar da família, quando ela vê que seu par de chinelos não está lá, percebe que tem de partir.
Não sei onde vocês podem ver este filme, mas façam como eu, corram atrás, que vale a pena.


Felipe Stefani

A Catedral Submersa. (Poema e Desenho de Felipe Stefani)


De uma imprecisão sonora
o arco de um pássaro
baila no ar da tarde.

Dos degraus de uma estética vasta
a dança primordial de um poema
na leveza que antecede a arte.

O poema emerge dessa amplidão migrante,
de um transbordar que navega
e busca em si mesmo o seu mar.

Trai o reino em silêncio
e reverbera em liberdade
o acaso do seu gesto.

.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Matthias Grünewald


Matthias Grünewald era um dos pintores favoritos de Candido Portinari. Tem uma historia bonita: por ocasião da visita do pintor brasileiro a Madri, ele foi ao Museu do Prado para ver essa pintura aí acima, de Grünewald, A Crucificação. Ao chegar, o guarda avisou que o museu já havia fechado. Então ele foi até a entrada, e ficou, por um longo tempo, observando o quadro pela fresta da prota.
Aconselho, a todos meus dois leitores, a conhecer a obra desse pintor gótico. Uma pequena introdução pode ser feita nesse link: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/grunewald/
Felipe Stefani

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A Consciência de Zeno.


Alguns escritores ficam mais esquecidos que outros, não são lembrados entre os grandes gênios. Isso não tem importância. Gênio? Isso é bem arbitrário; em outros tempos, como na Idade Média, acho que ninguém era considerado gênio, o que se cultuava eram os iluminados, e não os gênios. Então, acho a genialidade uma coisa difícil de definir, pois é muito abstrato e moderno. ( Sim, sou meio tradicionalista.)
Bom, mas eu queria falar de Ítalo Svevo, escritor que nasceu e viveu em Trieste, Itália.
Teve aulas de inglês com James Joyce e se tornou seu grande amigo. O estilo de Svevo é bem mais convencional que o de Joyce, talvez por isso seja subestimado, mas nem por isso é menos interessante. A Consciência de Zeno é, aliais, meu romance favorito. Pode não ser o melhor, mas é meu favorito. Me fez morrer de dar risada e também quase chorar. Quase chorar é um exagero, mas me falta uma palavra agora para descrever a comoção e angustia que senti em um certo trecho do livro. Ah, tá aí, comoção e angustia. E riso!!
Façam um bem a vocês mesmos e leiam esse livro.

Felipe Stefani.

Caderno de poemas...

Remexendo as gavetas, achei um caderno com poemas antigos... dos idos de 2003. Claro, o estilo mudou, me gostei do que li. Eis uma amostra.


O QUARTO DA PRAÇA

Janela do quarto.
Escuro e aberto.

Vão para o nada.
Ilha entre vozes esparsas
a dizer da solidão.

Ribeiro Eiras

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Rendendo-se a Antonioni



Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman morreram quase no mesmo dia e muito se falou dessa coincidência. No entanto, a verdade é que não havia uma relação direta entre esses dois cineastas. Em uma entrevista antológica, Bergman disse que nunca foi muito chegado em Antonioni, fez mesmos severas criticas a seus filmes. Criticou inclusive seu modo de persistir demasiado tempo em uma mesma tomada, disse que Antonioni nunca compreendeu muito seu ofício. Alguns trechos dessa entrevista saíram na revista Bravo, não lembro em que edição. Já tinha lido também uma critica que François Truffaut fez sobre o filme A Noite, do cineasta italiano, em que, em uma tomada interminável, num mesmo plano, Jeanne Moreau vai descendo a rua, anda, anda, anda... quando, finalmente, ela dobra a esquina, a câmera não muda, continua no mesmo lugar, filmando a mesma rua vazia durante demasiado tempo.
Nunca foi muito fã de Antonioni, mas, por ocasião de sua morte, fui assistir em São Paulo ao filme Profissão Repórter, na Cinemateca. Nesse filme, me rendi ao gênio do diretor. É um filme magnífico; ele usa, ao extremo, todos esses recursos citados acima, porém, justamente por isso, o filme acaba tendo um efeito surpreendente. Acredito ser um filme a ser assistido apenas no telão, na televisão perderia muito. Ele trata da questão da comunicação, do tempo, da linguagem. O filme passa por diferentes culturas e paises e me senti quase dentro do filme, é absorvente, sem falar nos impagáveis Jack Nicholson e Maria Schneider. Tem também toda aquela mensagem de esquerda nas entrelinhas, da qual não sou muito fã. Mas que saudade do tempo em que a esquerda era assim talentosa.

Ribeiro Eiras