quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Uma série de poemas em exercício de estilos. Para serem lidos com calma, navegando...





O Cristo



Ele é invenção de toda ciência.
O desprendimento do passado.
O futuro aberto, mas arraigado.
A concessão de amar sem prudência.

Ele é o corpo, o vazio, a consciência.
A porta dos séculos, fechado.
Aberto ele ressoa, se amado,
Que o amor é sua promessa, em essência.

Ele é, foi, e ficará para sempre.
Basta o toque do abismo nos ossos 
E, então, sua vasta paixão se cumpre.

Suas visões, seus voos, seus acessos,
E também o seu medo, seu entre –
Ser, que está na paz, e está nos destroços.




***




Um poeta que encontrasse as palavras puramente.
Migrando através de cidades diria,
por exemplo: a casa é rosa, sua boca azul,
seu ânus (o céu) é da cor das seivas invisíveis.

As palavras seriam alegria nas mãos do poeta.

Por exemplo: casa roxo festa ilimitado lodo estrela dançou lua.
Ou seja, tudo.

Adentraria as cidades e elevaria tudo.
Gatos raptos vestido de moça o moreno da pele
notas de jazz astros invadindo o escuro
a cigarra trama atrás das luas oblíquas notas colidem.

Um poeta assim bem antigo.





***




Meu coração é um violino.
Lá fora sopra o vento
contorcendo o mar.
Penso no infinito.

La fora passa o vento
digladiando com o mar.
A ideia é um precipício.
Por que há o vento
penso no princípio,
no sem fim, no caminho.

Triste verso que agora escrevo
(e que alguém vai lendo),
pensar é um abismo.

Sou pequeno bem pequeno,
mas minhas mãos tem gestos
que nunca terminam.



***




A menina tem medo.
O mar invadirá as casas.
O céu engolirá o mundo.
A terra engolirá os homens
mortos de fome.

Do Sol vem a luz
e o calor que esquentam seu corpo.
O mar bate em suas costas pequenas.
Por que o medo menina?

Brinca,
o cálculo é irmão da angústia
e tece esse poema.

Brinca apenas.


Deixa ao poeta a agonia.




***





Cortar o lastro do enigma,
cantarolar o que resta,
réstia ou medusa.
Impossível o avesso da escrita.

O verso, cripta inatingível,
teço, regresso, desmereço.
Mundo de jades, flamas, labirintos.

Decepar desvios,
fio a fio.
A lua imita o templo,
por exemplo.
A caixa à savana, o amplo, o continuo.

Tudo roubo e olvido,
repetindo, repito-me,
indecifravelmente.

Árduo acumulo
de sois e sementes
inexistentes.

No fim, a dor da dor,
que enfim, completamente, existe.



¨¨




Falo
para adentrar
o possível.

Calo
para pisar,
trabalho.

Mudo,
outro rumo,
cheio de sentidos.

(H)ouve
o imprevisto.




***



infinito
onde
nada
aqui
o
oficio
de
cantar
o
nome
disso
é
oh
impossível



***



não há caminho no meio do nome posso aventurar-me a perguntar as flautas da terra as flautas do céu o que nada significa disso o grande labrego explode no ar e seu nome é vento sob as oliveiras choro morro amanhã nos espinhos sabem meus pés descalços os lírios sem a tristeza dos campos entorno onde ninguém compreenderá as quedas da paisagem desse corpo dilacerado que estremece e o silêncio continuo



***


Auto Biografia
A Arthur Rimbaud
.
“Je est un autre"
.
Quis que o migrar fosse minha forma.
Que a música fosse tudo, plena.
Que a embriagues fosse a norma.
Não tocaria uma só nota serena.
O desconforto fosse meu porto.
O descompasso meu próprio passo.
O mal estar meu maior conforto
E todo verso forjado a aço.
Assim, através de muitas cidades.
Como tudo estivesse ao inverso,
Tudo seria reinventando, as artes,
As crenças e, enfim, todo universo.
A iluminação alcançaria, eu cria,
Num inferninho musical urbano.
Dançando rock, frenético, romperia,
Ao infinito além do humano.
Mas claro que falhei! Oh néscio
Que eu era. Como um cão sofri, e tanto,
E em não querer sofrer, confesso,
Tudo era um tentar em vão. Portanto,
Hoje almejo o tempo de cessar o verso.
Simples, como um mercador fenício.
Nem mais uma linha ou traço.
Quero ser um mestre do silêncio.


***



Mas a cabeça, violenta, envenena-se,
pela desordem e talento, eu me lembro:

Por dentro do dom, da demência,

sob o choque veemente do transe, do terror
das visões da morte.

Os rostos renascem na altura insubstancial
da ciência,
do giro,
do sono.

É um calculo: quebrar o visível,
mexer a água veloz,
até que sangre o trabalho de fluir.

Quem intui as noites abundantes por dentro da loucura?
Quem morre por elas?

É a medida, a busca e a mudez. Isso: Áspera, inocente, objetiva.

Um lento processo: Um vislumbre na própria substância
fundada pelos dedos, no ininterrupto de existir.

De tão compacto, o delírio inscreve-se no grande dia transparente.

É definitivo: Encontrar a forma e nudez,
na essência mesma da procura. 

Um cálculo inocente no mortal silêncio da própria finitude.

É isso: Não se assemelha ao que se diz profundamente.

É uno,
áureo,
impossível.



***


Chega de escrever sem o sangue, sem as veias explodindo.
Escreva com a morte no punho,
a guerra no coração.
A bomba atômica na mente.
Mas mente e coração são palavras chulas.
Grita com a puta da morte te socando o estomago!
Sem pau duro não há coito, sem o gozo
a buceta é seca, não há sexo, nem procriação.
Quero o próprio sangue escorrendo nas letras,
as tripas arrancadas com a mão.
O crânio explodindo ao acoite do ferro,
na guerra arcaica, viril.
As garras cegas da morte te cortando a pele,
o corpo contorcido contra o grito.
O grito, o jorro, o suicídio.
A lâmina horripilante das trevas
rasgando os órgãos, os ossos, a pele,
o acoite do desespero,
o riso de desprezo,
o punho surdo da aniquilação.
E as palavras batem na mesa sem medo.
Coito, jorro, morte, estrondo, sarcasmo.
Agora fode o cu da prostituta suja com a força de um trem.
Goza uma explosão absurda e emporcalha os bordeis da alma.
Depois gargalha, como um demente.
Arranca a sarna imunda oriunda da peste
depravada e hipócrita do seu ego
cheio de sutilezas e intenções anêmicas.
Como um matador obsessivo,
atira com ódio, com todo o rancor,
e come as tripas e as fezes da carniça podre
do antigo poeta, idólatra do adorno.
Mastiga com desprezo.

Depois morre também, no esquecimento.


***


nem onde não há e foi talvez pela ultima vez ou antes do que ter sido ou este estado mais adiante quase nada além daqui o inscrito vai se não está e tende ao outro aqui mesmo repara agora instante através sempre quando o primeiro na primeira vez e escuta o que sempre vê-se o todo confluindo ao que resiste quando percebe-se é aqui mesmo  


***




Já saberão que a perfeição completa
É impossível. Quem lê a esses versos toscos,
Truculentos, essas vozes repletas
De nadas, de sobras e de esboços,

Logo vê quão longe estão de sua meta,
Que é o infinito em si. No vasto esforço 
em ser extremo (esforço inútil ao poeta),
acaba, ao contrario, um revés insosso.

Mas lá até que tem alguma graça.
Da estapafúrdia, obsessiva, e imodesta
Pretensão ao rigor puro no cantar,

E ao tentar cantar sem margens, traça,
Em seu rumo, uma lição de modéstia,
E, na soma dos menos, um ficar. 




***




e se o poema não quisesse fim
continuo sem nada
no espaço inexistente
insistisse
incesto
seguisse pelas palavras
encontro
o poeta abrisse
por mais instantes
para frente para frente
a linguagem
o poema
“e a morte perderá seu domínio”
a morte
a fuga
a dança
o domínio
palavras
fosse assim
cachoeira
sem fim
fluindo
dizendo de si
ou não dizendo
apenas
sereia
seria?
o poema seguisse mais um pouco
depois do fim
antes do recomeço
escultor
em si mesmo
antes de não ter fim

Enfim
bebo um café.
Olho o mar da janela.
Respiro.
O mundo é um indicio.
Morre – se
a principio.








¨¨
Poemas de Felipe Stefani