segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O Teatro-Fantasma.

A atriz Ana Beatriz Fusko forma junto com o poeta Marcelo Ariel o grupo "Teatro-Fantasma". É uma proposta inovadora. Nessa entrevista ela nos explica melhor essa proposta, tendo como tema principal a primeira peça do grupo, chamada "Pagu".


1 - Na peça PAGU personagem e atriz se misturam em uma relação imediata, não só entre Pagu e Beatriz, mas também entre vocês e o publico. Onde está a Pagu em você? E onde estão vocês dentro do publico?

Não posso afirmar que há, diretamente, uma mistura Pagu/Beatriz - uma vez que "Beatriz" é apenas a persona (=máscara), a identidade, o RG criado para uma comunicação no mundo, mas identificar-me com esta persona é a grande ilusão. O Eu nada tem a ver com o nome, nem com as experiências que este nome carrega com o passar do tempo. A pagu é só uma referencia, "a mulher do povo", ou seja, toda e qualquer mulher - como se diz que "a historia de um homem é a historia de todos os homens", então - todos estão mergulhados num samsara de enganos, num círculo vicioso de apegos e sofrimentos passageiros, rodando porque se prendem aos grilhões do mundo, aos grilhões de suas próprias mentes. Cessar o círculo é encontrar o ponto imutável dentro se si, o Eu, o eterno, aquilo que nunca muda. Na filosofia mais antiga, da Índia, é tido por real 'aquilo que nunca muda', e 'irreal' aquilo que é perecível, que é temporal. O samsara nada mais é do que o mergulho no irreal e o sofrimento proveniente dele - porque nos apegamos a algo que naturalmente é temporal e queremos que seja eterno. Nos identificamos...Dessa forma, a Pagu está em todos. A peça é uma oportunidade para se observar o círculo de fora. E isso´só é possível porque se trata de uma outra persona. Será bom se puderem arrastar essa percepção para um ponto de partida numa auto-observação da própria vida.

2- O teatro-fantasma me parece uma relação mais direta entre a peça e o publico. Existe algo de religioso nesta relação?

O teatro-fantasma é mais direto porque ele é a própria vida-como-ela-é, ordinariamente. É a simulação da própria vida, do próprio frescor do ser; é a partir dessa simulação que podemos dizer "todos são atores". E o objetivo é justamente este questionamento (para o publico): até onde a ficção não está na nossa vida, e a nossa vida adormecida pela nossa própria atuação? Há um problema quanto a palavra "religioso". Não entendo qual o termo adotado nessa pergunta. Mas, posso responder que, como é sabido, religião = religare. Religar o que? À nossa natureza divina, à nossa consciência, Deus, como-queira-chamar. Nesse sentido digo que sim, existe algo de religioso porque através do cancelamento do teatro-fantasma (da simulação) a cortina cai, a máscara cai, e o real aparece. O que é o real? Gente nua, sem figurino. Gente-divina, gente-amor, gente-consciência. Nesse sentido é possível dizer que é religioso, há uma brecha, uma possibilidade de religare, de reconexão - de cada individuo com o seu Íntimo.

3- Que relação tem o teatro-fantasma com as antigas tragédias gregas, ou com qualquer rito antigo?

Acho que o teatro-fantasma tem muito mais proximidade com a vida propriamente dita, a vida ordinária e comum que as pessoas levam - do que com as tragédias e ritos antigos. O propósito do teatro-fantasma não é o de ser um entretenimento/ distração, nem ensino....Também não é ritualistico, ao contrário, é espôntaneo e não moldável, não-programado, não-nascido. Nasce sempre no instante em que é feito. Eu diria que o teatro-fantasma no contexto do Poema Contínuo´é apenas uma buzina...Como uma buzina. Entretenimentos sempre são convenientes e, muitas vezes, um pouco dopantes. A nossa intenção não é a de ser 'mais uma pílula'. Talvez um sal de frutas. Ou uma bala de abóbora...Algo assim.

4 - Até que ponto você acredita que a sua experiência pessoal se mistura com a da Pagu?

Aqui caímos mais ou menos no mesmo contexto de minha primeira resposta... Mas posso dizer que: tive experiência similares à da Pagu sim. Em parte por minhas inquietudes, que tive desde cedo, questionei e busquei... E em parte, por conta da resposta-mundo que recebi. Essa vivência da 'resposta' não é raro, nem difícil se ter em comum com a Pagu- uma vez que nada mudou e convivemos em uma sociedade basicamente conservadora, uma política hipócrita e uma sociedade machista.

5 - Quais são os projetos futuros do grupo?

O Poema contínuo fala por si só, e ele é vivo. Somos um coletivo e a proposta é que, dentro dessa vivacidade, ele flua, partindo de um ser para outro, uma musica vai sendo cantada, um poema vai sendo composto, um poema...que é contínuo. Aguarde...!!

Um comentário:

Marcelo Novaes disse...

Oi Felipe,


Essa atriz, Ana Beatriz Fusko, tem uma sintonia perfeita com o discurso do Marcelo Ariel. Budismo / Vedanta na cabeça (-coração).

Claríssimas explicações!



Um abração,



Marcelo.