segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O filme Brokeback Mountain, pelo escritor Flávio Viegas Amoreira.

A China não é o Paraíso: é capitalismo de Estado e nada de democracia. América não inventou o Imperialismo e ainda é grande laboratório de liberdades. Macarthismo, Nixon, Bush, passam, o amor livre de Whitman perdura, floresce. Em 1948, Gore Vidal escreveu o clássico “A Cidade e o Pilar’’ onde fuzileiros mantêm longo caso amoroso. Vidal é o último iconoclasta da era de Capote, Tennessee Williams, Ginsberg, os profetas de “Brokebak Mountain’’. América engendra nas entranhas puritanas, contestação, contradiscurso, desconstrução do seu enunciado de coerção socialitária. Sou libertário e nada anti-americano: os beatniks, hippies, ‘Frisco’, o Village, Stonewall, são experimentos que levaram vitalidade as vanguardas européias. Não se trata mais de mudar o mundo, mas recriar neo-subjetividades: o pós-estruturalismo e pós-conceito levarão ao cerne: o Amor que nunca será Pós-Nada, é referente que autojustifica. O filme de Ang Lee re-inova a quebra de esteriótipos, inversão de arquétipos e subversão de valores brutalmente instituídos; o ‘establishment’ careta assiste atenta e respeitosamente o Amor entre dois homens. A Filosofia da Diferença reforça duas causas crescentes: pluralidade e singularidade. Não se quer alternância individualismo-universalidade, mas a ‘singularização’ resistindo a significados unívocos. Lutam silentes os amantes que desbravam Oeste da sensação: o ser amado é reconhecido pelo sujeito como ‘atopos’ , de uma originalidade indescritível. Barthes/ Deleuze solicitam a Vida como experimentação do Amor e Linguagem revolucionados. “Brokeback Mountain’’ é conto e fita provocando dobras na epistemologia da resistência. Ouvi ecos de Diadorim, “Folhas da Relva”, Gide, Foucault retornando num Éden intimíssimo, a Heterotopia: “contralocal onde se contesta/inverte representação da realidade através da utopia.’’ Virilidade e afeição são atributos em jogo, embaralhados na implosão dos catálogos-rótulos: compartimentalização versus ‘Eu’ livre, autônomo. Culturalmente a América é vislumbre que empurra o Ocidente da Razão até as pradarias do homem instigado, essencializado pelo desejo. O Amor é Oeste da Alma: desarrazoado, substantivo, discordante de funções e finalidades: seco por indizível. Amor de conteúdo amorfo que amolda-se à formas arbitrárias diante dos corpos-significantes. Muito tempo não via nas telas tanta dignidade estóica ante o irremediável (quase sempre desejado): paixão adulta e amadurecimento existencial sem nenhuma concessão ao conformismo ou militância embandeirada. O ‘Eu-mutante’ é o não subjetivado por fora. Mudança e sofrimento são im-partilháveis: o personagem Ennis del Mar (nome-poema) dá a deixa ao que virá ao ‘ganhar’ o amor perdido: “Eu prometo...’’ a jura é mutação dele e do caminho à trilhar. Que apaga alumia. ‘’Brokeback Mountain’’ é lamento sem Deus, canto à libertação, romance da solitude. O western do Ser vale mais que 1 milhão na Paulista: é tudo menos ‘gay’, a Dor não finge. As montanhas não mais serão refúgio: o Amor é um des-território amplo soando vento.



[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literárioJá lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]


flavioamoreira@uol.com.br

Um comentário:

romulo de almeida portella disse...

Gostei deste apanhado de propostas,referências, considerações que você alinha. exemplar!