I - Rua Augusta
Descer a Augusta era como ir adiante, cada vez mais profundo, nos círculos do delírio e do êxtase. Através da embriaguez, cada vez mais intensos , íamos dos cinemas, galerias e bares, empanturrados de jovens discursos falsamente intelectuais, aos pequenos inferninhos, ao neon, policia e prostituição. Era sempre o mesmo, a embriaguez, o horror, a angustia, e a liberdade. Os jovens aglomerados na rua, no chão, nas paredes, tocavam vilão, sorriam, fingiam. A cores importadas dos anos 80 cintilavam, assim como o neon. Gays aos beijos e a sempre falsa liberdade. Que tormento! Posso senti-lo até hoje em meu estômago diante daquela sensação de liberdade, que não me dava nada.
Quando rumava para Ubatuba, com as luzes da pequena cidade sufocadas pelas montanhas, minha alma sangrava na noturna e densa vegetação costeira. Estava vivo, por isso o desespero. Nas noites geladas da Augusta, não havia saída, estava pronto para morrer, ninguém me acolhia, e nem poderia, estava incomunicável para o afeto, a vastidão era uma ruína.
Então principiava a dança, o desespero alcança a ebriedade em fuga, mas a dispersão não muda, o vazio da liberdade. Buscava a iluminação dançando como um louco naqueles becos escuros? Nunca! Era um vôo sem razão, sem pouso, impuro.Mas ha, súbito libertava-me, era o auge da alucinação, dançava por todos os lados, por toda boate, era a própria música, despedaçada.
noite
constelações escassas
nas raízes de carnívoras povoações taciturnas
buracos ligados por dedos fulgurantes
contra as grutas do poder do sono lírico
os panos todos selvagens planos contorcidos
e não sentes o ar culminando à janela luminosa da loucura
a pulsar tua península crivando mortes e visões
o medo enfim
talvez a dança
Os amigos de nada serviam, eram doentes, sorviam a própria fuga, dementes. Nunca seriam amigos de nada, nem de ninguém, naquela errancia naufragada. Era à noite corroendo bestamente seus domínios. Noite fremente, a angustia concedendo delírios.
Era a morte que você buscava, minha amiga? Pálida amiga, queria arrastar-me junto em sua intriga. Te surpreendia, carregava ainda uma cruz no peito, um Cristo em declínio, uma promessa de renascimento.
Mas haviam as noites nostálgicas que bebíamos em homenagem a lua, emfim novos amigos se juntavam, bebíamos e celebrávamos a vida. Bebiamos e dançávamos, extremos, buscávamos uma redenção, uma coragem ao menos, para que a poesia fosse também corajosa. Finalmente, emfim, a poesia sem medo e sem retoques, a poesia do corpo.
Quantas e quantas vezes desci a Augusta, rumei para o fim da noite, vi o Sol do outro dia, dancei em busca da liberdade, nos inferninhos, enlacei-me, perdi-me, achei-me. As memórias estão na coragem, que tive.
a noite incendiou-se
nos póros súbitos da epifania
corpo de raízes
num itinerário de assombros
corcel cego
onde cio derrama-se no âmago sem margem
refletida febre galga
a escultura do delírio
e no semblante da orgia
com destino forasteiro entre
flashes de neon exílio
correntezas
a volúpia da dança extenuante
guarda no estigma das marés
precipício inominado
urdido à finitude da inexistência
enfim
tombando entre raízes de paisagens naufragadas da noite
celebraremos outra vez os meteoros
e findos
nascemos
***
Felipe Stefani
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
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Um comentário:
Oiee
Tenho 15 anos e adoro escrver.
Adorei o seu blog
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http://jess-peace.blogspot.com/
Beijo
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