Sobre No chão sem o chão de Romulo Froés, antes um retrospecto: Em Calado e Cão, seus discos anteriores Romulo soube como poucos mergulhar nas fontes ontológicas do samba, onde suas raízes se cruzam com as do Blues, são discos onde a energia do samba se funde com a do blues, a palavra blues aqui designa mais um estado de espírito do que o gênero musical, Calado e Cão são discos de sambanzo. No fundo Romulo é bem mais do que um sambista e chamá-lo de sambista talvez seja um reducionismo, em seus dois discos anteriores podemos encontrar elementos do cool jazz , ecos da fossa de Tito Madi e Dolores Duran e é claro, muito da aura de Nélson Cavaquinho transfigurada, revisitada e ampliada para outros horizontes da dor, álias, Nélson Cavaquinho talvez signifique para Romulo Froés o mesmo que Edgar Alan Poe para Baudelaire, é mais uma ressonância do que um modelo. Dito isto nos voltamos para este recém lançado e duplo No chão sem o chão que me parece uma renovação ( no conteúdo) em relação aos dois discos anteriores, aqui R.F. sai do samba pela porta da frente através do transe elétrico ou do transe das texturas elétricas das guitarras, "sai" e passeia por outros jardins sonoros para no final do segundo disco-sessão, como uma cobra mordendo o próprio rabo, voltar a ele, retornar para uma transfiguração do sambanzo de Calado. No chão sem o chão é o disco onde o projeto de R.F. alcança uma síntese, onde as raízes do rock, do cool jazz e do samba se misturam às vezes em um mesmo módulo-canção , é um disco-conceitual fundado na investigação de uma ontologia da dor e em uma jornada lírica em direção ao estranhamento do mundo. Romulo faz sua música a partir de um não-lugar, o mesmo não-lugar onde Garrincha dançava seus dribles, o mesmo não-lugar onde Augusto dos Anjos escrevia seus poemas e o título do cd nomeia este não-lugar com uma triste e certeira elegância .
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Marcelo Ariel direto do deserto do marketing do enigma.
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