domingo, 24 de maio de 2009

Cores no Dique.

Flávio Viegas Amoreira escreve novo texto sobre a experiência do filósofo e artista plástico Maurício Adinolfi dentro do projeto Residências Artísticas em Pontos de Cultura, no caso o Instituto Arte no Dique, em Santos.




Arte no coletivo, o Devir cromatizado na precariedade aparente e na imanência do risco: só o impermanente refletido é humano. Interação movediça, curso errático dum braço de mar de nome bugre moldando rio-corrente gestando Oceano ao largo. Folhas de madeirite "volpiando" o dique que contêm bravamente o Atlântico: o rumor das tintas em sinestésica tessitura amalgamada a maresia / umidade primal / mítica / palafitas que suportam / sustêm no instante a original errância...

Fenomenologia sem travas: elocubração molecular.

Poética concreção: casas-signos carregadas de significados / rizomas fractados em húmus fertilíssimo de encanto horizontalizado por perspectivas inusitadas a reboque do leito sem margens precisas. Urbanismo orgânico / humanização da paisagem / naturalização da comunidade pela estetização dessa disposição sensual das vagas ao sabor da maré reentrante. Visualidade distendida: gente habitando azul e vermelho / sem vértices ou ângulos arbitrários: as cores são estatuto do encantamento assentindo a dissolvência. Móbiles: veredas imagéticas / a dialética sem síntese na geometria de planos inconsentidos: magia cética dos cubos que se projetam expressando ao infinito o traçado que não se permite imantado. Nada se fixa / nenhuma acomodação óptica: sobrevivência do impossível onde nada é prosaico / nesse cadinho onírico tudo é ascenso epifânico, o sublime moldado pelo compósito terreno. Cores primevas / descida plástica ao paraíso inquietante do experimento / a ferveção desordeira do espaço / pulsão dilatada / múltipla / o sol reaberto em clareira.
A existência tatuada na imersão colorizada / o Mar que desliza riacho escondendo lacustre hidrográfico oceânica grandeza: barracos / casario / barroco: senhores dignos mestres sobrados da incerteza sem aparas. Nessa borda sem porto a fugacidade faz a realidade algo palpável desvelando o desejo presentificado: cada matiz é um sorriso orgíaco / orgasmo anímico / distensão das esperas. Epopéia lírica / janelas sem amuradas / braços forjando identidades / cidadãos sujeitos de sua história em aquarela : parapeitando o mais extremo do infindo: o indiviso marinho. Subversão sem escora / fecho / gancho: sabor dionisíaco do delírio enxaguando-se na felicidade do absurdo respingado. Cores conviventes, correspondências cósmicas: aqui nem a noite é breu entre o sustenido de barcos / madeirame rangente / onde o céu cobre-se de escamas no ventre salobro das esferas. Quanto mais miro menos turvo onde minhas pupilas não se desgastam: o "habitat" não refrata / aqui nada repele / todo-tudo alonga-se em eco transmutado em espelho. Nenhuma utilidade das cores além do milagre epidermicamente sentido: útil é da ordem do desnecessário/ entre os moradores há luz eivada da cores questionando o excesso de "úteis inutilezas" na outra sociedade: onde consome-se o irreal por ser exorbitado. Prodígios reverberam: não é fogo-fatuo da ruínas do capitalismo: são moinhos auto-realizantes.

Nenhum faro mercadológico ou lógica redutível: essas cores fazem-se poemas / êxtase agitando-se sem termo ou medida. A simetria é só efeito primordial antecedendo atmosferas superpostas / apoteose submersa: intangível quadrilátero/ até onde vista alcança nada que fascina é passível de enquadro. "Hapenning" / performance / obra aberta: tudo intuído, o efeito ultrapassa ilimitado ou deliberado. As cores falam / dizem / projetam tudo-todo que um tom alumia: não é projeto / "Cores no dique" é retenção mutante dos caminhos / metalingüística observação táctil do trajeto. Desprovido de paternalismo a ação do artista co-move mutirão desprovendo-se de ego para amplificar o arco de ação negando apropriação da Arte tão somente pelo indivíduo: "soma" de ilhas, as cores lançam pontes entres toda a gente "comunizando" a Utopia / agregando o arquipélago-ocre num continente-cores. Só um senso / nexo / propósito: o arco-íris encarnado / “habitabilidade” densamente mitificada / o profano artisticamente sacralizado: Arte sem evasão / cores alinhavando um compromisso de rompimento / protesto sábio / vívido alumbramento. Sabotagem de arquétipos / desprezo ao clamor apocalíptico / descontrução do tédio pela erotização radical do espaço pelos cacos numinados / inspiração seminal do "locus-topus" pelo mais fundo de sua "naturaleza". Arte é dique sem barreiras: pensamento nômade / pólen quântico-náutico. No princípio era o verbo fazendo Arte. Embarcadouro: nada assenta ou repousa / as cores acompanham o embarcadouro nesse estado "originalizante" de "estar-aí" mutante: o dique pinta-se feito metalinguagem onde a existência faz-se morada.

Arte adesiva, não encerrada / estanque: clareia serpenteando a esmo num acaso objetivo: o mundo aqui é onde cor vai adentrando seu enredo

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