segunda-feira, 31 de março de 2008

Poemas e Desenhos de Felipe Stefani.

CANÇÃO EMBRIAGADA

A Paul Celan


Eles chegam com a garganta atravessada
contando os corpos na noite.
Torcem entre as veias ferozes,
arrancam as pupilas
e ninguém sai ganhando.
Eles chegam com a garganta incendiada.

Crepitando
sobre o golfo rítmico do mundo.
Estrelas perdem acordes,
cada uma estagnou um mundo
e ninguém dizia seu nome.

Os dedos manobravam na clareira das vértebras,
soldavam-nas,
incendiada a imagem de um rosto noturno
quando chegavam com a carne atravessada.

Vi
os frutos contorcerem-se,
as válvulas sangrando,a marca de um fogo vivo,
as pupilas, os dedos,
as manobras na noite fechada,
exaltada cruelmente.

Eles vinham com a veia incendiada
quando desata o pesado nó do mundo,
quando os frutos renascem na imensa memória.





Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal
Libertando
A dança desregrada que atravessa a voz
Recompondo
Na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.

Estou completo em minhas paisagens.

De uma vida inteira absorvo a marcha
Canto as estações abertamente
Tocando com o esquecimento as margens
Que se distanciam
E evocam
Toda pureza de uma arte.

Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
Do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
No alimento obscuro
Colhido do apuro
Das visões imensas?

Toda obra é terrível e sangra
Na memória a sua imagem.

No auge insondável desse estrondo
Canto
Em volta de uma dor
O dorso se contorce
No centro
Multiplicando o gesto
Um eco indefinido devora em travessia
Centenas de mundos construídos
E sonhados.

Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sublime forma de sentir...
a loucura..
o segundo de dúvida..
o existir..
ah, o amor!

Anônimo disse...

Qdo a loucura corrompe a obra, então a liberta... Bonito poema, li e logo associei a Dionísio.
Abraço

Marcelo Novaes disse...

Oi, Felipe!

Belos desenhos, hein rapaz?!

E essa melodia que remete não só a Paul Celan, mas a Paul Claudel. Uma poesia como painel. Escorreita, quase prosa, às vezes. Fluida. Com alguns momentos surrealistas em meio ao lirismo onipresente.


Gostei!


Um grande abraço,




Marcelo Novaes