quinta-feira, 27 de março de 2008

Sobre “Edoardo, o Ele de Nós”, de Flávio Viegas Amoreira

Ninguém pode, de fato, prever a literatura iminente. Falo aqui da literatura feita tão somente de letras, não aquela enraizada num script videofônico, ou mesmo daquela acompanhada da experiência musical, ou qualquer experiência que não a literatura por si própria, esse anel letrado; não hermética, mas plenamente possível em sim mesma. Chega-se a pensar que recuou, silenciando e deixando espaço à experimentalidade e outras formas de expressão, isoladas ou reunidas. Afinal, tudo é tão, a tanto, as coisas se misturam, e assim acontecem, e quase ninguém tem tempo para um romance mais comprido, ou mais denso, que exija maior afinco. É tudo tão e a tanto que os espaços de isolamento parecem dirimidos pela informação e pela experiência, sobretudo a experiência urbana, onde a comunicação é hiperintensa. De repente, “não mais que de repente”, duas torres desabam e, em meio a esse caos assim disposto, por minutos apenas, o silêncio se dá.
Não tenho certeza de quando comecei a ler “Edoardo”, tal o afogamento a que submete sua leitura. A imersão implica pressão multilateral, os poros se queimam na água e reclamam respiração, não se pode fugir da leitura porque ela pede que se dê cabo do devir, ao mesmo tempo em que se deseja com uma pontada íntima irromper dali os olhos para enfim respirar. A trama de “Edoardo” é esse revolver dentro de si, um ruminar de algas e pó. Engolir edifícios a seco. Apelo de amor que pisa e não encontra o leito de areia do abismo profundo que é o sentimento. Aqui, diante deste revolver sentimental, o que toma vulto é um outro espelho, formação arenosa fundida-decantada, tempo-movimento. Aqui, alguém ausente, algures, ainda existe enquanto destinatário de um calendário acumulado na narrativa, que avança em páginas e jamais em si mesma, ou seja, dispõe uma fragmentação articuladora de vivências nada retilíneas. Aqui e agora, sempre assim o texto e o ritmo da leitura, como certamente disseram outros, de tirar o fôlego. Não há avanço, de fato, para frente ou para trás, não há resolução. Apenas o momento-desabamento. Vive-se a possibilidade ensimesmada do amor, o diálogo eterno do narrador com o terceiro espelho, Edoardo.
Creio que não sejam necessárias maiores elucidações. A genialidade do autor fala por si própria, Flávio Viegas Amoreira cria um universo próprio, Edoardo tem vida; o texto possui forma sinuosa, dirão até hermética, mas dispõe o caos de uma maneira brilhante. “Edoardo, o Ele de Nós”, editado pela 7 letras em 2007, é uma leitura para releituras intermináveis, é um travar respiração, uma peleja realmente recompensadora. Talvez a literatura iminente, essa coisa pulsante em algum lugar, encontre espaço na ruminância de si própria, no revolver intenso de si e para si, numa leitura que afinal não tem fim, não tem pontas, acontece apenas, talvez, como um desabamento de torres.

Luis Gustavo Cardoso, 22 anos, autor de “Trópico de Sal”
Graduando em Direito UNESP – Franca, SP

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