CANÇÃO EMBRIAGADA
A Paul Celan
Eles chegam com a garganta atravessada
contando os corpos na noite.
Torcem entre as veias ferozes,
arrancam as pupilas
e ninguém sai ganhando.
Eles chegam com a garganta incendiada.
Crepitando
sobre o golfo rítmico do mundo.
Estrelas perdem acordes,
cada uma estagnou um mundo
e ninguém dizia seu nome.
Os dedos manobravam na clareira das vértebras,
soldavam-nas,
incendiada a imagem de um rosto noturno
quando chegavam com a carne atravessada.
Vi
os frutos contorcerem-se,
as válvulas sangrando,a marca de um fogo vivo,
as pupilas, os dedos,
as manobras na noite fechada,
exaltada cruelmente.
Eles vinham com a veia incendiada
quando desata o pesado nó do mundo,
quando os frutos renascem na imensa memória.
Quantas vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal
Libertando
A dança desregrada que atravessa a voz
Recompondo
Na noite o ouro intenso onde a Lua faz ressaca.
Estou completo em minhas paisagens.
De uma vida inteira absorvo a marcha
Canto as estações abertamente
Tocando com o esquecimento as margens
Que se distanciam
E evocam
Toda pureza de uma arte.
Quantas vezes essa loucura corrompeu o último enlace
Do medo que se abre ao fim de cada feixe de encanto
No alimento obscuro
Colhido do apuro
Das visões imensas?
Toda obra é terrível e sangra
Na memória a sua imagem.
No auge insondável desse estrondo
Canto
Em volta de uma dor
O dorso se contorce
No centro
Multiplicando o gesto
Um eco indefinido devora em travessia
Centenas de mundos construídos
E sonhados.
Pois a música se apossa da ébria lentidão do meu engano.
segunda-feira, 31 de março de 2008
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3 comentários:
Sublime forma de sentir...
a loucura..
o segundo de dúvida..
o existir..
ah, o amor!
Qdo a loucura corrompe a obra, então a liberta... Bonito poema, li e logo associei a Dionísio.
Abraço
Oi, Felipe!
Belos desenhos, hein rapaz?!
E essa melodia que remete não só a Paul Celan, mas a Paul Claudel. Uma poesia como painel. Escorreita, quase prosa, às vezes. Fluida. Com alguns momentos surrealistas em meio ao lirismo onipresente.
Gostei!
Um grande abraço,
Marcelo Novaes
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