quinta-feira, 18 de setembro de 2008

MAR PRÓXIMO, texto de Flávio Viegas Amoreira.

George de la Tour, St. Sebastian with Lantern.


‘’ MAR PRÓXIMO’’


‘’ o mundo é muitos quando artesão das horas resgatando o Tempo exaurido / retardando o sentido

exorbitado das despedidas . a felicidade é uma cegueira da Morte : apalpa e segue a cruz estrangeira do abandono quando o universo padece verme dos meus destroços. depois aí é o que não pressinto o mergulho peremptório : crer é estabelecer dívida com o impensável : corte no procedimento das estrelas / eu ouço o gritos assustados do escuro na retidão do desenlace : a chuva cega por dentro / os que saem de mim são passageiros de algum pensamento já transcorrido. Nunca deixei de te amar pelo esquecimento do sentimento / o sentimento não tem passado nem marco fixo: transcorre de viver em nós a coisa e sobrevivemos até o fenecer do mar na aurora quando vejo palavras esboçando um dia que não mais estarei vivo para as coisas que serão então o instante / tento dizer o melhor aproximado dum significado / sabemos demais isso / não pensava noutra coisa antes de dizer palavra : escrevo o que já perdi ao dizer falando. Sinto solidão não estadia / pressentimento de estar fora do que tenho sido mesmo que não todo possível de ser . aqueles que tenho me socorrem da incerteza do Amor decisivo : desenlace / ele me enternece pela lembrança duma atmosfera / superfície ultrajada. Quis toca-la a Verdade / ela assentiría ao custo de sucumbir sob o peso da vacuidade sem propósito / ausente de Deus /não saberia pronunciar seu nome senão por escrito / nunca adormeci em sonho e finjo ser infeliz pelo que sei ser demais vertiginoso / simultaneidade ubíqua / estado de não ser o que componha cena ou fato /

tudo que não venha ao caso e uma nódoa precipitando-se em tudo que seja provisoriamente belo / que aparência tem as pessoas fora de suas ilhas revestindo a Alma de duplicado encanto? Oceano discursivo recobrindo o mutismo das esferas / as explicações lógicas aborrecem quem quer perceber / longe é mais sentido : há o antes da Alma / vergastado ao dobre / desinstante / o solar desvanecimento entregando-se ao sopro soturno dando num suspiro galáctico / tudo aconteceu no ato da esperam / há uma escusa excessiva no desnecessário espanto com as fontes e as tormentas / teatro das palavras sucede ao delírio dos significados / o Verbo azeda ao ser posto na boca / cavar um tunel sempre é uma saída ao montante roubado / parceria com a realidade desfeita / sou rival de tudo que espreita : desnudo ao pressentir o contrário do visível / a poesia serve-se dos resquícios de infindável banquete: recuso utilizar-me da compreensão ao grafar ondas e o que pervaga impreciso. ‘’

[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literárioJá lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]
flavioamoreira@uol.com.br

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